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    Opinião: Precisamos falar sobre preconceito contra minorias em séries de TV

    Ou: como os fãs de The 100 começaram uma revolução a favor da boa representatividade.

    [Atenção: Contém spoilers de The 100, Sleepy Hollow e Arrow. Esteja atento(a) aos eventos dos episódios recentes.]

    No fim de 2015, o mundo do cinema e da TV hollywoodianos mergulhou em uma polêmica ancorada pela falta de indicados negros às categorias de atuação do Oscar pelo segundo ano seguido. O assunto foi amplamente debatido nas redes sociais e pela mídia, e a hashtag #OscarsSoWhite foi novamente utilizada. À medida que o assunto foi sendo aprofundado, porém, a verdadeira causa do problema foi denunciada. A falta de representatividade, no fim, nunca esteve restrita às premiações, mas está presente em todo o processo de criação. Como Chris Rock muito bem denunciou em seu discurso de abertura da cerimônia do Oscar, no último dia 28 de fevereiro:

    “Você quer indicados negros todo ano? Você só precisa ter categorias para negros. Vocês já têm para homens e mulheres...Pense bem, não faz sentido ter uma categoria para homem e outra para mulher em atuação. Não tem por quê! (...)

    Se quiser atores negros indicados todo ano, apenas tenha categorias para negros, como 'melhor amigo negro'.”

    O debate, porém, não ficou esquecido, e apesar de poucas soluções terem sido, de fato, propostas, o problema foi reacendido após uma recente polêmica que teve seu estopim em uma série teen da CW. Então, se você nunca ouviu falar de The 100, chegou a vez.

    Ambientada cem anos no futuro, The 100 (se lê the hundred) se passa após uma guerra nuclear ter destruído a Terra. Um grupo conseguiu sobreviver em uma estação espacial, mas quando a sobrevivência na Arca é ameaçada, o chanceler manda um grupo de jovens delinquentes para a Terra a fim de descobrir se ela é novamente habitável. O que ninguém sabia é que existem vários grupos de sobreviventes que já habitam o planeta, e quando os novatos chegam, uma guerra por território é colocada em movimento.

    O resumo da história (contém spoilers): três temporadas adentro, uma grande parte dos fãs da série está revoltada com a forma que a saída de uma personagem, lésbica, foi abordada, tanto dentro da história quanto pelos representantes da série nas redes sociais. A personagem, Lexa (Alycia Debnam-Carey), foi morta de uma forma que evoca inúmeros clichês já utilizados exaustivamente em séries de TV, e o que torna tudo ainda pior foi a maneira que o próprio showrunner, Jason Rothenberg, utilizou o Twitter mais de uma vez para garantir aos fãs não apenas o retorno da personagem, mas a sua importância na história.

    Após terem se sentido usados para aumentar a audiência da série (algo que definitivamente aconteceu após a segunda temporada), os fãs iniciaram uma campanha para denunciar o queerbait (quando o roteiro de uma série cria tensão sexual entre personagens do mesmo sexo para atrair atenção de um determinado público). O que torna o movimento relevante é que ele não ficou restrito a uma única série. Nas semanas seguintes ao episódio de Lexa, uma onda de personagens do sexo feminino foram mortas em séries diferentes, de Arrow a Empire, passando por The Walking Dead, The Vampire Diaries e Sleepy Hollow. A pergunta que fica no ar é: por que temos a impressão que apenas mulheres, personagens negros ou representantes LGBT estão sendo ameaçados nas séries?

    A justificativa utilizada pelos produtores e roteiristas cai em uma velha máxima, há muito conhecida: “qualquer um pode morrer”.

    Mas será que pode mesmo?

    Por que, então, que a Abbie Mills (Nicole Beharie), a protagonista negra de Sleepy Hollow, foi morta somente para aprofundar a história de sua contraparte, o homem branco? Há indícios de que Beharie queria sair da série, o que se justifica pelo pouco desenvolvimento e destaque que sua personagem teve desde a segunda temporada. A decisão da atriz apenas reforça a ideia de que Abbie pouco estava importando para os roteiristas.

    Por que, então, que Arrow matou Laurel Lance (Katie Cassidy), a Canário Negro, simplesmente pelo valor do choque? A personagem é uma das mais importantes para o Arqueiro Verde nos quadrinhos. Qual sentido tem cortá-la da história simplesmente para dar mais enfoque a um romance (que incomoda boa parte dos fãs da série) e para chocar a audiência?

    Qual paradigma exatamente uma série está quebrando se ela coloca vários personagens representantes da minoria no centro da trama para apenas torturá-los ou tirá-los de cena em favorecimento do protagonista-homem-branco-heterossexual-padrão? Se não for um desserviço, esta escolha é, no mínimo, completamente descompromissada com qualquer causa. Se uma minoria não tem boa representatividade, então ela não tem representatividade alguma. E ponto.

    Estes são apenas alguns dos exemplos, mas uma rápida pesquisa demonstra que “mulheres descartáveis” foram mortas em séries como The Expanse, The Magicians, Hap and Leonard e Vikings, para contar apenas as últimas semanas. Os fãs estão ficando cada vez mais furiosos e cansados — e com razão. É claro, ninguém está dizendo que os roteiristas devem deixar de lado as suas escolhas e dar às suas séries o fim ou o caminho idealizado pelos fãs, mas é necessário ouvir quando eles apontam um problema recorrente e constante. Agora mais do que nunca, quando a propaganda boca a boca, de fã para fã ou de blog para blog é cada vez mais importante para o futuro de uma série. Se esta perde a fidelidade do seu público (como vem acontecendo com The 100), então o caminho para o fim é ainda mais curto.

    Por isso, se a diversidade não for incluída de forma completa na narrativa, então ela se torna apenas uma palavra bonita para chamar atenção. A resposta para tudo isso é novamente a inclusão. Um estudo da Universidade de San Diego aponta que 74% dos produtores executivos são homens. Nas salas de roteiristas, 87% são brancos. Então, como exatamente as séries vão incluir minorias de uma maneira ideal se esta mesma minoria não tem voz dentro das próprias emissoras?

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