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    "Não faria Victoria se não fosse em plano-sequência", afirma diretor de filme com cena única de 134 minutos

    Nós conversamos com Sebastian Schipper, diretor premiado no festival de Berlim pelo filme Victoria.

    Berlinale

    Esta semana, chega aos cinemas brasileiros uma experiência única no cinema: Victoria, mistura de drama e filme de ação que se passa em uma cena ininterrupta de 134 minutos. Ou seja, quando a câmera se liga, ela não para durante mais de duas horas, acompanhando a jornada de Victoria (Laia Costa) pelas ruas de Berlim, até se envolver em um assalto.

    A produção fez parte da competição oficial do festival de Berlim 2015, onde saiu premiada com o troféu de melhor contribuição artística. De fato, Victoria consegue transferir uma sensação de claustrofobia muito adequada ao cinema de ação, embora seja difícil prestar atenção a outros elementos com o plano-sequência impressionante em jogo. Leia a nossa crítica.

    O AdoroCinema conversou em exclusividade com o diretor Sebastian Schipper, que explicou os motivos dessa escolha ousada e comentou as dificuldades encontradas pelo caminho:

    Você sempre imaginou o filme como uma única tomada? 

    Sim. E eu não teria feito um filme sobre um assalto a banco se não fosse em uma única tomada.

    O que te fez pensar que essa era a única forma de fazer?

    Ninguém havia feito isso antes, então pensei que seria um grande desafio. Seria uma forma de escapar de todos os outros filmes e não fazer simplesmente uma refilmagem de alguma outra coisa que eu já tenha visto.

    Ao mesmo tempo, não há cortes falsos no filme, é realmente uma única tomada. Isso também era importante para você?

    Na verdade, se fosse preciso cortar duas ou três vezes, nós teríamos admitido. Mas essa era a ideia por trás do projeto: fazer um plano-sequência real. Todas essas palavras e termos chiques, como “se manter real”, “autêntico”, “cinema direto”, “radical”, não significam nada. Todo mundo é autêntico, radical e real. São apenas palavras. Nós pensamos: e se levássemos essas palavras a sério, se elas passassem a ter significado? Por que não fazemos isso nós mesmos? Para nós, era importante. Se fosse preciso cortar, porque o início de uma tomada ficava muito melhor, e o fim da outra ficava bom, nós teríamos admitido. Mas nós filmamos três vezes, e ficamos com a última.

    Como foi possível produzir um projeto baseado numa ideia tão difícil? Como se obtém financiamento para um projeto como este?

    Bom, fui eu que produzi o projeto, com um amigo. Mas o financiamento é outra coisa. Eu falei com as pessoas com quem já trabalhei antes e disse que queria tentar algo novo. Expliquei que não ia ficar muito caro, então pedi: “Deem o dinheiro que puderem e vou tentar não estressar vocês”.

    As imagens do filme são muito bonitas: há uma grande preocupação com a fotografia e a luz. Mas imagino que para fazer uma tomada única tenha sido necessária uma equipe de tamanho reduzido. 

    Éramos uma equipe pequena por trás da câmera, filmando, mas era uma equipe de tamanho médio no total. Acho que no dia da filmagem tinham oito segundos-assistentes de direção. Eram três equipes de som alternando-se nas cenas. Tínhamos muito equipamento de luz e técnicos. Especialmente no começo do filme quando eles estão andando na rua, colocamos lâmpadas no topo dos prédios. Então, parece que é tudo luz natural, o que me agrada muito, mas não é. 

    A questão da tomada única foi usada como elemento central de marketing pelos distribuidores do Brasil. Acho que nunca tinha visto isso acontecer antes. Você ficou preocupado que o plano-sequência chamasse mais atenção que a história em si?

    Só se a história não fosse forte o suficiente. Para a maior parte dos espectadores, o plano-sequência chama mais atenção. É um dispositivo muito importante para o filme, o roubo ao banco também é muito importante, mas pode-se dizer que o filme não é sobre nenhuma dessas duas coisas, que na verdade, é sobre algo mais. Pode-se dizer que não é sobre o roubo em si tanto quanto é sobre amizade, amor, solidariedade, viver à margem da sociedade... Sobre como os atores lidam com as situações, não só as qualidades técnicas do plano-sequência. 

    Sendo um ator você mesmo, como foi a experiência dirigir atores para uma cena que não para? Você os dirigiu de uma vez só ou pôde dirigi-los durante a tomada?

    Precisei trabalhar isso antes. Conversamos muito porque eles precisavam ser donos dos personagens, não era o bastante saber sobre eles. Eles precisavam se sentir naturais na pele dos personagens, sabendo a cada segundo como reagir, independente do que acontecesse. Eles precisavam ser os personagens, não só ter uma grande atuação. Eu dei muitas orientações antes e depois da tomada.

    Havia espaço para improvisação durante as cenas?

    Improvisação é sempre uma palavra complicada. Às vezes sugere que tudo está sendo decidido nesse segundo, e esse, claro, não é o caso. Tudo é preparado, os sets, as locações, tudo tem que ser preparado. Victoria não decidiu simplesmente tocar piano naquela cena, isso foi ensaiado, então existem muitas regras. Mas claro, ao mesmo tempo, o ritmo vêm da improvisação, assim como algumas partes do diálogo. Em algumas cenas, eles não conheciam os diálogos exatos, mas sabiam o que aconteceria naquele momento.

    Outra coisa interessante é a protagonista feminina. No ínicio do filme, pode-se pensar que ela vai ser agredida pelos homens, mas eles se mostram mais amigáveis que pareciam, enquanto ela se mostra mais forte que parecia.

    Eu gostei muito. Você é do Brasil, então você conhece mais sobre pessoas desesperadas dispostas a fazer qualquer coisa porque precisam sobreviver. Ao mesmo tempo, acho que a maioria das pessoas, especialmente aquelas que vivem às margens da sociedade, sem privilégios, podem ser muito boas pessoas quando você as conhece. Talvez sejam criminosas ou não, mas a partir do momento em que você não tem medo de conhecê-las, quando se dá uma chance de conhecê-las, pessoas desprovidas de privilégios podem ser muito boas.

    Os rapazes do filme acabam se mostrando bastante afetuosos, no fim, era possível acreditar na amizade deles. Pareceu real.

    Você acha que esse aspecto do filme vai fazer sentido para os brasileiros?

    Fez sentido para mim, e eu espero que as pessoas entendam isso. Não sei se você vê o filme como um filme universal, mas me pareceu um retrato universal da juventude.

    Eu fui ao Brasil uma vez. Vi alguns dos filmes. Sei que a questão social é importante no Brasil, como a pobreza e a desigualdade. Ficaria muito feliz se as pessoas se vissem nas situações que conhecem num filme que foi filmado no outro lado do mundo. 

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