“A grande pergunta quando você está começando a fazer um filme é se isso é interessante o suficiente para resultar em filme”, nos disse Kleber Mendonça Filho. De cara, não há dúvidas de que o material reunido em Retratos Fantasmas, nova produção do cineasta, reúne um material mais do que interessante e emocional para contar uma boa história. O longa documental (que também tem sua fatia de ficção) estreou elogiado no Festival de Cannes em 2023 e passou pelo Festival de Cinema de Gramado – onde o AdoroCinema conversou com o cineasta – antes de chegar ao circuito comercial.
Em Retratos Fantasmas, o diretor de Bacurau inicia uma jornada quase sensorial a partir do apartamento onde morou e filmou algumas de suas principais obras, como Aquarius e O Som ao Redor, em direção ao centro da cidade de Recife. Lá, o cineasta apresenta os cinemas de rua que fizeram parte de sua vida e, daí, documenta as mudanças no ambiente urbano – temos, então, um filme que não só homenageia a história cultural da cidade, mas também faz uma boa reflexão sobre como os espaços impactam nas relações humanas.
Se a gente não tiver cuidado, nosso pé não toca mais na rua
“Juntou muita coisa: o desejo de fazer algo sobre os cinemas, a ideia do cinema como espaço de convívio, o centro da cidade. As alterações que uma cidade passa e que são alterações que aconteceram em todas, né? Todas as cidades do mundo, digamos, regidas pelo capitalismo”, explica Kleber. Para isso, foram anos de trabalho: o filme propriamente dito ficou em desenvolvimento durante sete anos, mas os registros vêm de muito, muito antes.
Vitrine Filmes
Foi na reunião entre o material – boa parte capturado pelo próprio cineasta – com a vontade de falar sobre a conexão entre o cinema e a cidade que Kleber Mendonça Filho encontrou a resposta para sua pergunta inicial. “Sempre gostei muito do material do [cinema] Art Palácio feito em VHS por mim mesmo há 30 anos atrás. É até difícil acreditar. E sempre tive muita fotografia, desde adolescência, sempre fotografei muito. Então, quando você pensa no tema, vai procurando mais material e chega à ideia de que talvez, sim, esse seja um filme que merece ser realizado”, pontua.
O lugar como um personagem vivo
Em uma breve passada pela filmografia do diretor pernambucano, fica claro que os lugares onde as histórias se passam são personagens tão vivos quanto as pessoas (e o cachorro, no caso de O Som ao Redor) que estão nele. Não é diferente com Retratos Fantasmas, em que Kleber aborda a transferência das relações sociais para espaços privados. Uma mudança de ambiente que, sem dúvidas, afeta nossos hábitos – incluindo o de ir ao cinema e os tipos de filmes que ganham espaço para atender tendências comerciais.
Assista à entrevista completa:
“Se você prestar atenção, não só a cidade, mas o mercado tenta lhe dominar, tenta adestrar de uma certa forma, né? As relações de convívio eram muito mais mediadas pela rua, no cinema de rua, teatros, lojas. De 40 anos para cá, essas relações foram transferidas para espaços privados, que são os shopping centers. E há uma alteração de comportamento também. Se a gente não tiver cuidado, nosso pé não toca mais na rua. A cidade passa a ser fechada, então acho que o filme, de uma certa forma, é sobre isso também”, analisa.
Por fim, os retratos de Kleber incluem também passagens por seus filmes anteriores, que aparecem em seus registros de memórias. Longe de serem “fantasmas”, seus trabalhos continuam com ele, como companhias presentes: “Às vezes, tenho a sensação de que nunca os deixei para trás, estou sempre pensando neles de uma certa forma. De uma maneira boa, espero”.
Retratos Fantasmas estreia nos cinemas em 24 de agosto.