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    Paloma: "É um conto de fadas com rastro de sobrevivência", explica Marcelo Gomes sobre vencedor do Festival do Rio
    Diego Souza Carlos
    Apaixonado por cultura pop, latinidades e karê, Diego ama as surpresas de Jordan Peele, Guillermo del Toro e Anna Muylaert. Entusiasta do MCU, se aventura em estudar e falar sobre cinema, TV e games.

    Longa estrelado por Kika Sena acaba de chegar aos cinemas.

    Chegou aos cinemas nesta quinta-feira, 10 de novembro, o longa Paloma. Dirigido por Marcelo Gomes, conhecido por longas como Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo e Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar, o filme ganhou destaque no Festival do Rio 2022. Durante a premiação, foi aclamado como Melhor Longa de Ficção, Melhor Atriz, com Kika Sena, e Melhor Filme pelo Prêmio Felix.

    Escolhido como um dos seis potenciais filmes para concorrer ao Oscar 2023, que colocou Marte Um na rota da honraria norte-americana, o filme acompanha Paloma, uma mulher trans que trabalha como agricultora no sertão de Pernambuco.

    Roteirizada por Gomes, Armando Praça e Gustavo Campos, a narrativa acompanha o maior sonho da protagonista: se casar na igreja católica com seu namorado Zé (Ridson Reis). Eles já vivem juntos, e criam uma filha de 7 anos chamada Jenifer (Anita de Souza Macedo). O padre, porém, recusa o pedido, mas nem por isso Paloma desistirá de realizar seu sonho.

    Porém, precisará enfrentar o preconceito e o conservadorismo para realizar esse seu desejo. O roteiro partiu de uma notícia que o diretor leu num jornal sobre uma mulher trans que sonhava em casar numa igreja católica com véu e grinalda.

    Divulgação

    Em entrevista ao AdoroCinema, o diretor do projeto celebrou a recepção que a película teve nos festivais em que participou e se diz esperançoso com a recepção do grande público. “A gente faz cinema pra isso: pra dar uma mexida nos sentimentos da gente, nos pensamentos da gente. Os filmes que eu gosto são esses, que queremos levar para casa, queremos morar naquele lugar. Queria morar com a Paloma, com uma das primas dela”, brinca.

    A história de Paloma encontrou Marcelo há cerca de anos, em uma matéria de jornal. Ao ler sua história, ficou comovido e encantado com suas contradições. “A matéria não saia da minha cabeça, porque eu acho que ela tinha contradições bem inerentes à nossa sociedade brasileira. Ela falava de preconceitos, mas falava de fé. Falava de amor, mas falava de conservadorismo. Falava de ódio, mas falava de afeto. E afeto é a palavra que mais me emocionou enquanto pensava nessa história”, relembrou.

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    Ele continua: “Comecei a imaginar essa mulher querendo legitimar o casamento dela pela liturgia da Igreja. Era tão bonito também pelo ponto de vista romântico, porque a gente sempre tem dúvidas sobre o amor - sobre o amor que a gente tem por alguém e pelo amor que alguém tem pela gente. Parece que a gente sempre precisa legitimar. E a fé dela, a intuição dela dizia 'vamos legitimar esse amor através da liturgia da igreja, a fé vai me ajudar a legitimar isso'”, explicou Marcelo sobre o motor que leva a protagonista durante toda a sua jornada.

    Construção de Paloma

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    Gravado há quatro anos, Marcelo relembra que a produção do filme já estava em andamento enquanto gravava Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, em Pernambuco. No local, conheceu diversas mulheres trans que viviam na região e tinham perfis semelhantes ao de Paloma. “Foi um grande laboratório para mim, conversar com essas mulheres”, relembra.

    “Depois que eu construí esses elementos ficcionais, muito importantes para contar a história, precisa de uma personagem com muita fé, que nada abalasse a fé nela mesma, a fé na religião e a fé no seu esforço. Teria que ser uma personagem um tanto ingênua e também com uma doçura muito grande”, detalhou Marcelo sobre o processo de construção da protagonista. “Depois disso, a produção fez um encontro com a personagem real, onde a gente também captou um pouco dela. Eu gosto de falar com personagens reais para fazer meus filmes.”

    Naturalmente, com forte densidade emocional, Paloma chega às telonas como um filme político. O Brasil é um dos países com registros recordes de violência contra a população LGBTQIAP+. Ter um filme estrelado por uma atriz trans em cartaz levanta a discussão de maneira orgânica, mesmo que esse não seja o principal foco da trama.

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    “Apesar de hoje termos mais, ainda é muito difícil termos papéis para atrizes trans, mas ainda é muito difícil. E foi uma coisa maravilhosa, elas fizeram as personagens de uma forma muito maravilhosa, com muita liberdade”, contou o diretor sobre a escalação do elenco.

    A chegada de Kika Sena completou o universo do longa. O processo de criação e investigação da personagem fez parte de uma série de ensaios, que envolveram muitos momentos de observação e vivência nas locações. Além disso, a arte-educadora, diretora teatral, poeta e performer brasileira se inspirou na própria mãe para dar vida a Paloma. "Construir essa simplicidade que a Kika trouxe é fruto de muito trabalho".

    “Ela é uma pessoa que está fazendo mestrado, é uma pessoa muito culta, então para interpretar uma personagem analfabeta, ela precisava de uma investigação muito forte. Foi investigando, trazendo silêncios lindos, formas de olhar. A Kika é um fenômeno da natureza. Fiquei encantado com a partitura que ela compôs”, disse o diretor com o sorriso no rosto.

    Poesia estética & Política

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    Ao mergulhar no universo de Paloma, o filme apresenta uma poesia estética contínua. A maneira como a rotina da protagonista é abordada deixa o espectador íntimo de seus desejos, de seus trejeitos e de suas contradições. A fotografia do filme aposta em cores brandas, que transformam as sequências em uma grande narrativa onírica.

    Sobre essa questão, Marcelo confirma que o intuito era justamente esse, mas que durante as filmagens e a produção, a equipe foi contagiada por Paloma a partir de “um sonho colorido”. “Na verdade, você pode até dizer que Paloma é um conto de fadas. Esse mundo de conto de fadas que a Paloma construiu, até como uma rastro de sobrevivência, tinha que estar na fotografia, na arte, nos silêncios, em todos os elementos”, descreve o cineasta, que relembra que mesmo com esse estilo, o longa não deixa de ser político e realista. “A gente construiu através do imaginário da Paloma, da subjetividade dela. Os olhos de Paloma tinham que brilhar quando ela imaginava o desejo desse casamento.”

    Ao fim da entrevista, questionado sobre a recepção do público geral sobre o longa, Marcelo acredita que o projeto tem um caráter revolucionário. “Este filme é sobre a ética da poética política da Paloma. Acho que é bacana que a gente quis trazer a Paloma nesse desejo de casar, esse sonho que ela construiu, ela provocou uma revolução naquela cidade. A esperança dela de um dia deixar o casamento dela com bases mais sólidas promove uma revolução sem ela saber, sem ela entender. Ela vai entender a importância do ato dela só um tempo depois”.

    Ele conclui: “Eu me lembrei muito de uma frase do mestre pernambucano Paulo Freire. Ele dizia que ter esperança no Brasil era um ato revolucionário. Então, esse filme tem afeto a partir de um ato de esperança, de um ato de sonhar. A Paloma sofre preconceito, violência, um monte de atos daquela sociedade, mas ela não perde a fé nela, ela não perde a fé em si mesma, nem nos santos que a rodeiam.”

    Paloma já está disponível em cinemas de todo o país.

    Paloma

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