Às vezes me sinto extremamente nostálgica em relação aos filmes de terror. Gênero que sempre foi considerado menor pelo cinema e pela literatura , apresenta algumas obras que são realmente impressionantes .
Atualmente o gênero está praticamente extinto , embora muitos filmes sejam classificados como de terror. Existe uma diferença fundamental entre terror e horror. O terror nos conecta com o mistério, com o sobrenatural, com tudo aquilo que não podemos entender , explicar ou comprovar . O horror é algo totalmente objetivo e físico. Basta ligarmos a TV em qualquer noticiário para vermos reportagens de horror. O horror é cotidiano , está nos semáforos , nos arrastões dos bares e restaurantes , nos incêndios a ônibus , nos sequestros relâmpago, nos abusos sexuais . O horror é sangrento, violento, embrulha o estômago , nos choca com a sua feiura , é uma “arte” completamente humana; feita por homens para destruir outros homens.
Quando vejo filmes com braços e pernas decepadas , sangue jorrando, monstros esquisitos comendo a própria cabeça que se regenera posteriormente , me parece que o terror foi morto e enterrado pelo cinema contemporâneo. Tudo bem que monstros esquisitos que comem a própria cabeça não existem, mas podemos considerá-los uma variação imaginativa dos monstros da nossa sociedade. Porém, filmes que entram pelas brechas de nosso imaginário, que dão as mãos para os nossos fantasmas infantis e nos fazem congelar de medo com apenas um efeito de fotografia ou um pensamento subliminar são poucos e deixam saudade para os apreciadores do gênero e do mistério.
Para quem curte este tipo de filme , vale a pena conferir "O iluminado" de Stanley Kubrick , baseado no livro de Stephen King. O autor do romance criticou a versão de Kubrick por considerá-la reducionista. O livro é mais profundo quanto à questão do drama familiar ; do alcoolismo do pai que no passado agrediu o filho pequeno. Pode-se dizer que o romance está com um pé no terror e o outro no drama. O filme se centra mais nos aspectos assustadores , mas nem por isso deixa de ser um poema visual de como se faz terror .
Para Kubrick , diretor dos célebres "2001 : Uma odisseia no espaço" e "Laranja mecânica" , a arte cinematográfica consistia em uma combinação entre montagem e música. Era a sua concepção de fazer cinema. Pois bem. Ele a seguiu à risca neste filme de 1980 que ainda assusta nos dias de hoje.
O filme é aberto como uma marcha fúnebre , um aviso sonoro do que aguarda os personagens e o público. As primeiras cenas parecem tranquilas , embora , por meio do menino iluminado já seja possível saber que coisas péssimas acontecerão no hotel. Porém, o terror não se desnuda completamente de cara. Ele se revela aos poucos , primeiramente se insinua , para apenas no final se apresentar totalmente, o que representa um dos pontos altos da obra. É por meio de uma cena muito simples e aparentemente inofensiva que Kubrick aplica sua maior teoria : fazer cinema consiste em combinar montagem e música. O menino ao andar pelo hotel com o seu triciclo passa por cima de tapetes e do próprio assoalho. Ao passar pelos tapetes , faz-se silêncio. Ao passar pelo piso de madeira , faz-se barulho. Temos a nítida sensação de estarmos ouvindo a uma partitura musical com seus acordes e silêncios . Não entendo bem o porquê , mas aquilo nos assusta verdadeiramente , talvez muito mais que a mulher horrenda saindo da banheira ou as meninas extremamente pálidas , com carinha de mortas. Merece destaque a cena do labirinto, em que Wendy e o menino iluminado ficam perdidos. Se eles se desesperassem com a situação , não seria uma cena tão angustiante. A falsa calma de Wendy nos deixa completamente ansiosos. O olhar transtornado de Jack ao observar a mulher e o filho brincando na neve pode fazer muitos adultos perderem uma noite de sono. O filme é um brinde a quem curte o bom e velho terror. "O iluminado" é um verdadeiro insight na filmografia do gênero. É um lembrete de como um bom filme de terror se faz com inteligência e criatividade . Os efeitos especiais são apenas mais um elemento para quem consegue ver e ouvir o terror existente no silêncio e no detalhe.