Nesta revisão de Midsommar, pude perceber como a sequência inicial proporciona uma ansiedade pela antecipação da tragéda, uma espécie de ressonância ao público do mesmo sentimento de Dani (Florence Pugh) ao esperar uma resposta a suas ligações. A premonição da catástrofe já se manifesta ao nível do plano, no alongamento de cenas aparentemente banais, porém progressivamente angustiantes, mas concretiza-se por completo na medida em que revisitamos a obra com o olhar do espectador calejado pela dramatização de Aster. Alguns filmes parecem ganhar vida nessa repetição esquemática da morte, mais do que nunca, a passividade do público assume caráter de voyeur da tragédia.
Todo o drama que advém da tragédia familiar na primeira parte do filme é brilhante na articulação de incomunicabilidades. Já falei recentemente aqui sobre como o Pulse de Kiyoshi Kurosawa trabalha essa ideia de distanciamentos afetivos. Em Midsommar, tal aspecto é abordado com menor ênfase nos espaços físicos, priorizando a subjetividade de gestos e intenções implícitas nas falas de seus personagens. Se por um lado, há um caráter dramatúrgico muito evidente em como cada personagem do filme se enxerga como protagonista dessa narrativa, suas ações buscam uma negação superficial disso. O filme todo é revestido de um falso altruísmo que tenta mascarar as verdadeiras necessidades de cada personagem.
Estas necessidades são centralizadas num falido relacionamento entre Dani e Christian que busca sobrevivência em espécies de obrigações sentimentais. A tragédia na família pede um amparo irrestrito e o plano da hesitante chegada de Christian no apartamento de Dani já esclarece bem o dilema da situação que se sucede. A viagem de férias exige uma roupagem de casal feliz, insistentemente evidenciada pelos planos do casal caminhando de mãos dadas, como que algemados nessa coexistência pseudoaltruísta. Todas as angústias do filme existem nas tentativas de apaziguamento que apenas reforçam a inevitabilidade do trágico na narrativa.
A chegada na Suécia representa um contraponto visual que denota algum suspiro de esperança por parte da protagonista. Um filme até ali de fotografia dessaturada, preenchido por ornamentos de natureza morta, abre espaço para a onipresença do sol e uma encenação quase fabular naqueles espaços bucólicos. Isso somente se dá para que, a partir da cena de suicídio do casal ancião, caia por terra qualquer expectativa de escapismo. A geografia possibilitadora de um respiro sentimental é rompida em suas superficialidades para que a tragédia humana manifeste seu caráter onipresente.
É decepcionante como, da metade para o fim, o filme de Aster perde muito de suas capacidades dramáticas, dedicando-se em demasia a uma mise-en-scène deslumbrada por estranhezas litúrgicas. Já existe um indicativo desse caminho a ser tomado quando o diretor abusa de movimentos complexos de câmera, como na transição temporal de cenas em que Dani entra em diferentes banheiros, ou no travelling invertido do trajeto do carro até o vilarejo. Aos poucos, o filme abre espaço para essa atenção performática que busca chocar, mas, em seus exageros, somente afoga o que há de melhor na natureza da narrativa.
Poucos elementos ainda sobrevivem bem nessa parte final. A frontalidade de um gore deliberadamente artificial é muito boa ao atestar certa banalidade contrastante com as angústias dos personagens-turistas. Tal naturalidade da comunidade local perante esses atos de extrema violência é articulada bem pela maneira como Aster não priva seu filme do dilaceramento explícito dos corpos, estabelecendo interessante contraste com o choque estrangeiro, carregado de traumas relacionados ao cessamento da vida.
Mesmo nas cenas em que o diretor pesa realmente a mão nessa unidade estilística que busca o choque através de contrastes entre a beleza explícita de um enquadramento e seus significados psicológicos, a atuação de Florence Pugh ainda assim consegue manter vivo algum interesse pelo que se sucede. Atriz que consegue equilibrar muito bem certa seriedade dramática com uma ingenuidade proveniente de trejeitos infantis (seu choro é perturbador por natureza ao remeter em demasia ao de uma criança), Pugh desenvolve magistralmente a postura passiva de uma personagem que busca sempre agradar aos outros e, por consequência, acumula grandes ressentimentos que são pouco verbalizados.
Pugh relembra ao público o que há de mais comum entre o adulto e a criança na manifestação de sentimentos quando tudo parece fugir de controle. Se o filme todo trabalha nessa incomunicabilidade dos desejos individuais, não há maneira melhor de articular isso em uma personagem que não pela luta interna entre a necessidade de um altruísmo maduro e a inevitabilidade do ego infantil. É por conta dessa sua tremenda capacidade de abstração no papel designado que, mesmo quando Aster parece sufocar tudo com sua busca sensorial por algo que não se mostra dramaticamente eficaz em tela, Pugh nos relembra que há ali uma personagem capaz de representar toda a angústia das tragédias humanas. Sua performance aqui é a representação contemporânea de uma Lilian Gish num close-up médio e, mesmo que isso seja um anacronismo grosseiro, é inevitável imaginar o quão belo seria Florence Pugh sob direção de um inspirado Griffith.
Em todo caso, Midsommar não deixa de repetir um esquema estilístico que também torna Hereditário um filme pouco regular na sua articulação dramática. Ari Aster parece um diretor já muito madura na construção de ambientes que emanem dramas bastante evidentes das relações humanas. Há um entendimento muito claro das possibilidades a serem exploradas narrativamente nesses espaços superficialmente comuns, mas contaminados pela tragédia. O seu grande problema parece ainda se dar na busca por momentos de maior purgação da unidade dramática. Quando aquilo que é sobriamente construído parece pedir uma ampliação de suas consequências, abrindo espaço para uma maior quebra de relações causais, Aster ainda parece um novato admirado com a suas possibilidades audiovisuais. Sua busca pelo fluxo limita-se somente ao imediatismo de um plano elaborado. Talvez ainda esteja por vir a grande realização desse jovem cineasta, sua perfeita síntese entre angústias mundanas e artifício cinematográfico.