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    Chá com as Damas
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Chá com as Damas

    As lembranças das atrizes

    por Bruno Carmelo

    Você conhece as primeiras experiências de Judi Dench ou Maggie Smith como atrizes? O estudo de artes dramáticas, os primeiros papéis conquistados? Para os cinéfilos mais novos, Dench, Smith, Eileen AtkinsJoan Plowright são conhecidas principalmente pela participação em grandes franquias (James Bond, Harry Potter) ou pelo respeito que a indústria mantém por cada uma delas, reverenciadas em entrevistas e premiações. Em outras palavras, as quatro são conhecidas como “veteranas das artes dramáticas”, “divas”, “as melhores de sua área”. Elas se tornaram ícones, imagens idealizadas.

    No entanto, o diretor Roger Michell dá um passo atrás na tentativa de enxergá-las como atrizes quaisquer, sem o status normalmente associado aos seus nomes. Para isso, acompanha uma tarde de encontro entre as quatro amigas ao redor de uma mesa. Elas tomam chá, bebem champanhe, lembram os bons e maus momentos na carreira. O filme resume a sua estrutura inteira a esta reunião, sem se esforçar em criar outras interações para além da conversa despretensiosa, corriqueira. A produção parece ter sido filmada num único fim de semana, com pouquíssimos recursos. Michell se interessa visivelmente no potencial humano, e não estético.

    Por um lado, o resultado apresenta um despojamento sedutor. A intimidade entre as protagonistas permite que brinquem umas com as outras sem pudores, recordando os papéis perdidos, as inseguranças, a evolução técnica, as dificuldades, o machismo encontrados. De modo orgânico, elas citam a pressão para serem sempre belas, jovens, desejáveis, numa indústria ainda controlada por homens. Apesar de terem mais de 80 anos de idade, dizem que pretendem atuar enquanto lhe oferecerem papéis, e rechaçam o paternalismo dos mais jovens.

    Dench, Smith, Plowright e Atkins discorrem tanto sobre a juventude quanto sobre a morte em tom divertido, com direito às tiradas sarcásticas de Smith e às anedotas impagáveis de Dench. Esta última relembra longos trechos de diálogos encenados há décadas, enquanto Plowright relembra a dificuldade de seu casamento com Laurence Olivier. O diretor, muito próximo delas, lança temas, instiga memórias, porém, depois se cala, observando-as com admiração. Este constitui o movimento do filme como um todo: o prazer de reunir pessoas interessantes e divertidas, vendo-as discutirem, absorvendo quaisquer histórias que tenham para contar, sem hierarquia de época, nem temática. As lembranças seguem a lógica fluida e aleatória da memória afetiva.

    Por outro lado, a pequenez do projeto não esconde um tratamento deficiente da imagem. A câmera treme incessantemente até encontrar seu enquadramento, perdendo o foco no meio de um depoimento. O som está bastante desnivelado, com vozes agudas e sibiladas, demonstrando problemas tanto na captação de som direto quanto na edição e mixagem. Para um diretor acostumado a projetos grandes como Um Lugar Chamado Notting Hill e Um Final de Semana em Hyde Park, o descuido com a estética é surpreendente. Pelo menos, o uso de raros materiais de arquivo permite ilustrar as histórias contadas pelo quarteto sobre suas encenações gloriosas ou traumáticas.

    Michell tenta disfarçar o amadorismo da captação através da humildade metalinguística: ele revela a presença da câmera, as poucas luzes, a equipe reduzida, e inclui na versão final a reclamação das atrizes sofre um enquadramento ou a presença invasiva de um fotógrafo still. Por ocupar um espaço íntimo, o cineasta permite ver os bastidores como espécie de mea culpa. Ao menos, em sua simplicidade, consegue transmitir um discurso nada ingênuo sobre a dificuldade do ramo de ator, com todas as pressões financeiras e sociais associadas ao trabalho artístico, desde os anos 1950 até hoje.

    Se este aspecto constituísse o tema central, talvez o resultado ficasse mais engessado, protocolar. Mas Chá com as Damas jamais perde o bom humor, funcionando como pequeno documento sobre a transformação de atrizes comuns em ídolos, tão amados quanto postos à distância dos fãs. Enquanto aborda a consagração institucional das quatro, incluindo o momento em que foram nomeadas Damas pelo reino da Inglaterra, o documentário efetua o processo contrário, de aproximação e humanização das figuras por trás das maquiagens, figurinos e prêmios.

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