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    Border
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Border

    Homem, mulher, monstro

    por Bruno Carmelo

    Todo grande festival de cinema tem entre seus competidores algum filme estranhíssimo, inclassificável, do tipo que desperta amores ou rejeições, mas dificilmente deixa o espectador indiferente. Talvez o sueco Gräns (Border, em inglês) seja o exemplar em questão no 71º festival de Cannes. Mistura de drama, comédia, suspense e fantasia; fábula sobre o preconceito racial, sobre a degradação do ser humano e sobre a pluralidade sexual e de gênero, ele possui tantos temas e vertentes que chega a ser incrível a sua capacidade em equilibrá-los com tamanha maestria.

    Parte considerável da força deste projeto se encontra num rosto, o de Tina, mulher de rosto singular. Com a testa protuberante, os olhos profundos, a pele marcada por cicatrizes e a arcada da boca sempre aberta, ela se encontra no meio termo entre a deficiência, a deformidade e uma noção mais ampla de monstruosidade. No entanto, apesar da aparência prejudicar a sua vida afetiva, ela possui um talento muito útil ao trabalho. Afinal, esta policial de um aeroporto possui um senso de odor extremamente refinado, podendo cheirar não apenas álcool e droga nas malas, mas também culpa, raiva, ressentimento dos passageiros. Quando você faz algo errado, Tina percebe pelo cheiro.

    Esta personagem de aptidões excepcionais é tratada com respeito invejável pelo diretor de origem iraniana Ali Abbasi, e também pela excelente atriz Eva Melander, devidamente contida na intenção de evitar o grotesco. O mesmo ocorre com Vore (Eero Milonoff), homem encontrado por ela no aeroporto, e dotado de uma deformidade estranhamente parecida com a sua. Muitos roteiristas se contentariam em sugerir um romance entre ambos e garantir o final feliz, mas Gräns foge a soluções fáceis. No estranho relacionamento entre os dois humanos-monstros, o filme encontra espaço para detalhar o folclore nórdico, expor redes de pedofilia e encontrar representações alternativas para alienígenas e lobisomens.

    O projeto fascina pela originalidade radical, mesmo partindo de códigos tão conhecidos. Além disso, funciona como história de origem de uma super-heroína, no caso, esta mulher com capacidade sobre-humana de avaliação pelos cheiros. Cada detalhe é cuidadosamente abordado pela fotografia realista, pelos enquadramentos atentivos mas jamais óbvios, pela direção de arte precisa na decoração e nos figurinos. A fascinação de Tina e Vore por insetos, a conexão de ambos com a natureza de modo geral, são elementos muito bem trabalhados no decorrer da trama. Nenhum símbolo de estranhamento fica sem a devida utilização até o final.

    Por sua mistura de gêneros e pela premissa quase cômica, Gräns pode ser um projeto difícil de apresentar ao público. Os fãs de terror verão um ritmo mais cadenciado do que a média do gênero, além de pouco sangue e violência, enquanto cinéfilos atentos aos dramas estrangeiros podem ficar chocados com as atitudes explícitas dos protagonistas. O diretor criou um filme para confundir, perturbar, como talvez sejam todos os grandes filmes. Resta saber se existe espaço para a entrega ao desconhecido no pragmático circuito distribuidor.

    Filme visto no 71º Festival Internacional de Cannes, em maio de 2018.

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    Comentários

    • Diogenes Araújo
      O que eu gostei no filme, é que ele é separado por momentos de drama, comédia, romance, suspense, terror e fantasia. Cada um no seu devido tempo, sem misturar os gênero, é até difícil julgar que gênero é esse filme, além de abordar problemas sociais como discriminação, exclusão, reclusão, pedofilia, vingança e tudo num clima distópico.
    • Kailo Resende
      Filme muito intrigante! desperta a curiosidade sobre o real desfecho. Vale bastaste a pena assistir!
    • Jeyson
      Achei o filme maravilhoso
    • Ana
      Intrigante, fascinante, comovente e perturbador...Recomendo
    • Graziela
      Realismo fantástico.Enredo original, suspense na medida, chocante e doce em alguns momentos. Assista com mente aberta, não é um filme que agrada qualquer pessoa.
    • Maria Cristina Bicalho
      Repugnante.
    • Moises Cabral
      filme fantástico inexplicável e doce , o que me fez sentir uma mistura de medo e piedade pela raça deles , maravilhoso filme !!!
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