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    Corgi: Top Dog
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Corgi: Top Dog

    A malícia para crianças

    por Bruno Carmelo

    O ponto de partida desta animação é inesperado para uma animação infantil. Os diretores Ben StassenVincent Kesteloot pretendem fundir o aspecto lúdico das imagens de cachorros falantes com o teor muito menos ingênuo da política atual. Afinal, os corgis do título não são cachorros quaisquer, e sim os animais de estimação da Rainha Elizabeth, e devem estar disponíveis para a visita oficial de Donald Trump e Melania Trump no Palácio de Buckingham. A fantasia sobre um cachorro mimado, traído pelos colegas e obrigado a enfrentar o mundo fora da realeza, é combinada com as circunstâncias específicas de um presidente grosseiro e cafona (Donald Trump, representado pelo hambúrguer, a Coca-Cola, a obsessão com o tamanho das mãos e a contagem de votos) e de uma rainha muito gentil com seus cães, e muito menos preocupada com as dezenas de funcionários à sua disposição.

    As piadas de duplo sentido visam tanto distrair os pequenos quanto efetuar comentários muito menos inocentes aos pais. Durante um Jantar, Trump tem a impressão de que roçam em sua perna sob a mesa, e imediatamente passa a assediar a mulher ao lado. A arrogante cadela do presidente norte-americano não hesita em escolher o macho de sua preferência e forçá-lo a fazer sexo sem consentimento (afinal, ela é o animal de estimação de Trump). Dentro de um centro para cachorros de rua, os bichos brigam até a morte num “Clube da Luta” imitando os encontros clandestinos do filme de David Fincher. Cachorros se traem, se congelam vivos, se queimam até a morte, simulam mortes sangrentas no jardim e enfrentam dois possíveis atropelamentos no trânsito. As fêmeas fazem performances eróticas no pole dance, enquanto os machos são gângsteres, mauricinhos ou lacaios.

    As crianças se encontram portanto diante de um retrato surpreendentemente violento e erótico da vida adulta, pouco disfarçada para a linguagem infantil. Ao invés de acenar à morte pelo uso de metáforas (vide Up - Altas Aventuras, Viva - A Vida É uma Festa) ou sugerir relacionamentos adultos de modo respeitoso (como em ParaNorman e Coraline e o Mundo Secreto), Corgi: Top Dog é surpreendentemente literal em suas representações – vide o ketchup para ilustrar o sangue de um cadáver ou as chamas consumindo uma cadela viva. Além disso, o roteiro oferece uma galeria antipática de protagonistas: Rex é um cachorro arrogante por sua condição de nobreza; sua amada Wanda se interessa por ele apenas quando descobre sua origem real; dois cachorros possuem tendências homicidas e perversas, matando por prazer; enquanto os humanos oferecem cardápios luxuosos aos bichos de estimação enquanto se divertem com os criados limpando a sujeira dos cães.

    Os protagonistas da realeza possuem atitudes tão pouco nobres que fica difícil entender porque todos os cachorros se reuniriam para ajudar Rex a voltar ao palácio e ficar com Wanda. Afinal, o protagonista nunca ajuda nenhum deles, apenas se beneficia da coragem dos coadjuvantes, que se sacrificam pelo cão mimado. A dublagem brasileira prejudica o resultado, por não poder reproduzir a diferença entre os sotaques britânico e norte-americano, importantes para a trama. Os diálogos em português atenuam a caracterização de Trump, Melania, da Rainha Elizabeth e de um chihuahua de origem latina: na versão nacional, todos falam da mesma maneira. A dublagem também se perde ao atualizar referências culturais: apesar de manter símbolos britânicos como o Palácio de Buckingham, um cachorro é conhecido como farejador no Aeroporto de Guarulhos, o que gera uma geografia no mínimo confusa.

    O melhor aspecto de Corgi: Top Dog se encontra na construção técnica. Os traços da animação são expressivos, e a caricatura de pessoas reais encontra um bom meio termo entre o realismo excessivo e o exagero cômico. O trabalho de luzes, em especial, é rico em texturas e volumes dentro dos cômodos e corredores do Palácio. Em paralelo, as cenas de ação são orquestradas de modo eficiente pela montagem. O trabalho estético seria refinado o suficiente para elevar o resultado, se não fosse pela inconsistência do roteiro. Por exemplo, a motivação principal de Rex oscila bastante entre voltar para o Palácio, conquistar a cadela de sua vida ou lutar contra o adversário mais valente do canil. Os demais personagens se revelam inconstantes: Wanda passa da interesseira à heroína altruísta; um cachorro letárgico adquire coragem extrema sem que isso traga qualquer mudança substancial à trama.

    O filme dedica mais tempo às piadas adultas e referências pop (a Frozen - Uma Aventura CongelanteLady Gaga etc.) do que a construir uma trajetória coerente. A mensagem de que “unidos venceremos”, extraída a fórceps na reta final, tampouco ajuda a organizar a narrativa ou oferecer uma linguagem apropriada às crianças. Diante da combinação improvável de tons, o resultado pode soar pouco adequado aos pequenos, e infantil demais aos adultos. No que diz respeito ao aspecto geral da imagem, traz um resultado polido o suficiente para os padrões exigidos das animações contemporâneas. Entretanto, no que diz respeito ao discurso e à narrativa, os grandes estúdios vão muito mais longe ao apresentar um universo ao mesmo tempo complexo e adequado à compreensão do público infantil.

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