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    O Dia Depois
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    O Dia Depois

    O amor e a imagem do amor

    por Bruno Carmelo

    A vida do editor de livros Kim Bongwan (Kwon Hae-hyo) orbita em torno de duas mulheres: a esposa, uma mulher ciumenta que vigia os seus passos, e a amante histérica e instável. Entre as duas figuras passionais aparece uma terceira mulher, muito diferente: Song Areum (Kim Min-hee), nova funcionária da editora, conhecida pelo pensamento racional e comportamento introvertido. Esta sensibilidade atípica na vida de Bongwan altera a dinâmica dos relacionamentos, e da trama inteira, em O Dia Depois.

    Hong Sang-soo investe numa tragicomédia de tom exagerado, semelhante à paródia de um melodrama. Enquanto o belo preto e branco acentua os contrastes, os diálogos permitem frases de efeito sobre o amor e, como raras vezes no cinema do sul-coreano, os personagens têm a possibilidade de gritar, chorar copiosamente, quebrar coisas. A trilha sonora se acentua ao limite da dissonância. A catarse evitada na maioria dos feel good movies do diretor é abraçada neste caso, porém com o distanciamento típico do humor que não se leva a sério.

    O imaginário de várias mulheres disputando o mesmo homem é explorada com deboche, até porque o protagonista se revela um tipo fraco, patético, levado pelas circunstâncias. Olhando de perto, talvez nenhuma das quatro figuras principais seja realmente simpática, ou certa de seus princípios: o quarteto é marcado por vícios e inseguranças, manifestando sintomas diversos da mesma carência afetiva. Normalmente, os homens e mulheres de Sang-soo afogam sua melancolia no álcool e seguem as vidas como se nada tivesse acontecido. Desta vez, a narrativa se desenvolve como uma longa ressaca.

    No quesito temático, O Dia Depois ameaça trazer ousadias. Areum tem ideias inovadoras para o chefe: ela defende que a realidade, se não puder ser escrita, não existe de verdade, e que as crenças religiosas são dispensáveis aos seres humanos. Trata-se de conceitos pragmáticos, próximos do niilismo, e recusados por Bongwan. Apesar da profundidade do tema, as conversas se desenvolvem de modo leve. O mais importante ao roteiro é perceber como as pessoas portam máscaras: suas falas visam provocar uma impressão específica nos outros, mas não revelam o que cada um pensa de fato. Aos poucos, a possibilidade do niilismo é descartada, e a história segue pelo otimismo discreto.

    Num ano particularmente fértil para o diretor, este quarto lançamento serve para aprofundar o questionamento sobre a representatividade da arte em relação ao mundo. Se alguém pintar um quadro magistral, mas ninguém jamais vir a obra, ela ainda é boa? É possível o texto sobre a vida ser tão belo quanto a própria vida, ou o filme sobre o amor tão comovente quanto o amor? Song-soo assume suas indagações platônicas numa obra sensivelmente mais pesada no drama, e mais intensa no humor. O projeto serve para desenvolver teses e testar limites, algo positivo numa cinematografia tão profícua e coesa, porém em vias de se repetir.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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