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    Ambulance
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Ambulance

    Tempos de guerra

    por Francisco Russo

    Glauber Rocha dizia que filme se faz com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. No caso de Ambulance, pode-se acrescentar nesta receita uma boa dose de coragem. Afinal de contas, este é o ingrediente principal através do qual o diretor estreante Mohamed Jabaly, de apenas 23 anos, se lança em uma impressionante jornada ao turbilhão da guerra. Sem exageros.

    Se por um lado é verdade que Jabaly a princípio sequer imaginava a realização de um longa-metragem, fato é que sua decisão de acompanhar uma ambulância que atuava na faixa de Gaza, logo no primeiro dia de uma guerra com 51 bombardeios, resultou em um material filmado valiosíssimo. Através dele é possível notar não apenas a esperada taquicardia do resgate aos feridos, mas também todo o clima de pânico e histeria em torno do momento. Há inúmeros enfoques a serem observados, da transformação do hospital local em uma espécie de centro de imprensa inusitado à devoção religiosa extrema, que por vezes mais atrapalha que ajuda; do clima de terror impregnado pelos alertas telefônicos falsos e verídicos, minutos antes de possíveis ataques, ao ameaçador som constante dos drones que sobrevoavam (e atacavam) a população; da imprensa abutre que a tudo ronda ao abrigo que o hospital se torna não apenas para feridos, mas também pessoas saudáveis. Cada um deles tópicos poderia ser esmiuçado individualmente, mas a conjunção de todos ao mesmo tempo agora transmite uma sensação única de caos absoluto, essencial para a compreensão do momento histórico retratado.

    Tal sensação também vem à tona graças à proposta de cinema-verdade empregada, por acaso, pelo diretor. Filmando tudo o que via, Jabaly fez da câmera mais que uma mera testemunha ocular: ela é também capaz de captar o clima de desespero inerente ao momento. Não é à toa que o próprio diretor assume o posto duplo de narrador: ele transmite o que sente, deixando tal comportamento escancarado. Com isso, Ambulance se torna uma experiência sensorial que transfere o espectador ao olho do furacão, fazendo com que este vivencie um pouco do caos instalado. Sem respiro e com a adrenalina a mil, é bom ressaltar!

    Diante do material em mãos, o documentário ganha um ritmo absurdo e frenético, de absoluta imersão, graças à edição que basicamente replica a confusão e o desespero do momento. Extremamente tenso, Ambulance é explosivo não apenas pelo tema retratado mas também pela forma como o apresenta. Trata-se de uma experiência pessoal, vivenciada pelo diretor, retratada na telona com uma fidelidade impressionante.

    Diante deste contexto extremamente específico, é difícil dizer hoje que Mohamed Jabaly possa seguir adiante na carreira de diretor com algum sucesso. Ambulance aparenta mais ser um produto do meio, aliado à já citada coragem de seu autor em enfrentar tamanho caos, do que propriamente fruto de sua capacidade na direção - algo que os excessos nos depoimentos filmados na viagem à fronteira com o Egito tão bem escancaram. De toda forma, trata-se de um ótimo exemplar da ansiedade e tensão inerentes ao turbilhão de uma guerra.

    Filme visto no CPH:DOX, em março de 2017.

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