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    O Nome da Morte
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Nome da Morte

    Headshot, dilemas morais e problemas sociais

    por Taiani Mendes

    O Brasil é conhecido por suas boas relações internacionais e distância de guerras. Mesmo assim é um dos países mais violentos do mundo, ocupando posição alta no ranking das nações com maior número de homicídios por arma de fogo. Desconsiderando os objetivos patrióticos, se Clint Eastwood filmou Sniper Americano, faz sentido que nossa terra tenha seu “Pistoleiro Brasileiro” - que poderia ser o título popularesco de O Nome da Morte. O cineasta Henrique Goldman (Jean Charles) bebe na fonte dos clássicos filmes hollywoodianos de gângsteres e assassinos de aluguel para contar a história de Júlio Santana, matador com quase 500 óbitos no currículo. Thriller impecável tecnicamente que segue exatamente a cartilha do anti-herói de bom coração que toma o caminho errado pelas circunstâncias, o filme poderia ser de qualquer parte do mundo, qualquer época, não fosse a profunda brasilidade impressa pelo diretor e o roteirista George Moura (Linha de Passe, Redemoinho).

    Tendo como cenário a região amazônica, precisamente o Tocantins, o suspense fala de locais em que usar uniforme de policial, por mais falso que seja, ainda é símbolo de status (não torna alvo fácil, como no Rio de Janeiro) e a honra, manchada por banalidades, permanece sendo limpa predominantemente com sangue. Júlio (Marco Pigossi, consistente), sem interesse na borracharia da família e bom de mira, é levado pelo tio (André Mattos, estupendo) para a cidade grande. Chegando lá descobre com surpresa que Cícero é rock’n’roll não apenas pelo tipo de música que escuta no máximo volume, como também pela forma como ganha dinheiro. Sem estudo e alternativa a não ser voltar para casa duro e desestimulado como saiu, o rapaz acaba embarcando no condenável negócio. A “culpa” é desse mentor, que o introduziu na violência? Do capitalismo? Das perspectivas limitadas? Do próprio Julio? Das estrelas? Do homem brasileiro? Cabe ao público decidir.

    Fato é que ele se torna um pistoleiro ocupado que segue à risca o curioso código de ética da profissão. O Nome da Morte trata de uma questão real, dura e muito séria, é cheio de homicídios e sofrimento, porém Goldamn e Moura encontram espaço para o humor mórbido. Conseguem também inserir na trama uma história de amor a partir da entrada em cena de Maria (Fabiula Nascimento), relacionamento que coloca sobre os ombros do protagonista o peso da quebra de confiança, mentira e responsabilidade familiar. Mas não se trata de indulgência. Ele é o homem bonito que constrói casa para a mulher que ama num dia e mata índias pelas costas no outro, o público é lembrado. Mocinho ou vilão dependendo da companhia.

    A belíssima direção de fotografia de Azul Serra destaca essa dicotomia dividindo em luz e sombra o rosto de Júlio ao visitar os pais. Cheio de presentes para dar e vazio por dentro, rico e criminoso. Ele sente a culpa dos católicos em oposição à tranquilidade de Cícero, protegido por sua guia. Completando o panorama religioso brasileiro, é abordado também o materialismo neopentecostal contemporâneo.

    Um grande momento é o primeiro assassinato do protagonista. A tensão no caminho, o inesperado, a incerteza sobre a hora certa de agir, o medo, a adrenalina, o tempo de ação, a reação, tudo é dirigido com primor, culminando na desesperada subida da ladeira que representa sua rápida ascensão. O uso dos números para indicar a quantidade de mortes no caderninho do matador é simples e eficaz para escapar das centenas de disparos e indicar os avanços temporais, sinalizados paralelamente pela direção de arte e figurino/cabelo/maquiagem, que marcam muito bem as mudanças de classe social do protagonista  – as transformações de Maria inclusive renderiam um capítulo à parte.

    Embalado por luxuosa trilha sonora de Brian Eno, O Nome da Morte é redondinho, ainda que a calculada perfeição acabe não escapando da obviedade na punição ao protagonista. Palatável para todos que não se incomodam com planos lindos de sangue na cara, é entretenimento, alavanca de discussão e retrato de fatos que aqueles que não estão diretamente envolvidos preferem ignorar, mesmo sabendo da existência.

    Filme visto no 19º Festival do Rio, em outubro de 2017.

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    Comentários

    • Marcio Pereira
      Triste, mas uma história tão brasileira, que pena!. Aquele cabo Bruno dos anos 80 deve ter seguido uma sina semelhante.Ótimo roteiro, direção, música e elenco.
    • Pablo G
      A história é ótima, mas pecou no roteiro. A história ficou incompleta em todos os capítulos. Um exemplo é a prisão, não mostra como foi e nem como foi solto. A fotografia, por outro lado, foi privilegiada. É um bom filme, mas poderia ter sido muito melhor.
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