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    Eu, Tonya
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Eu, Tonya

    O deboche em sua melhor performance

    por Renato Hermsdorff

    Alguns críticos fazem anotações durante a sessão de um filme - o que é o caso deste que vos escreve. Depois dos dez minutos iniciais de projeção de Eu, Tonya, se tornou um desafio pessoal contar o número de exclamações ao lado do nome de Allison Janney (Beleza Americana). Como LaVona Golden, a mãe da patinadora Tonya Harding (Margot Robbie), o primeiro terço do longa é dela.

    Debochada, sarcástica, irônica, egoísta, a personagem sintetiza o delicioso tom dessa inusual cinebiografia. Uma das maiores qualidades do filme do australiano Craig Gillespie (responsável pelo remake de A Hora do Espanto) é não se levar a sério. O que não deixa de ser inusitado, uma vez que o que ele tem nas mãos é um episódio real espinhoso, que arranhou o tão propagado orgulho patriótico norte-americano.

    Harding era uma promessa do esporte estadunidense. De origem pobre, ela se destacou em uma modalidade elitista, que tem a "aparência" como um pilar:  a patinação artística no gelo. Apesar do inegável talento, ela viu seu nome envolvido em um crime. Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994, sua principal concorrente foi brutalmente atacada, anulada das competições. Tonya, o ex-marido, Jeff Gillooly, e o segurança pessoal dela, Shawn, foram responsabilizados judicialmente pelo atentado.

    Na tela, o que se vê é uma sequência de confusões, que tem no pateta-mor da figura do guarda-costas (Paul Walter Hauser, hilário) o líder dos "trapalhões". O texto do roteirista Steven Rogers (Lado a Lado, P.S. Eu Te Amo) se estrutura na forma de falso documentário. Uma boa tática, uma vez que, em se tratando de uma história real com tantas versões divergentes, dá oportunidade a cada um de ter voz própria. Mas que, por vezes, soa um tanto... falsa. Além de ser praticamente impossível se desligar da ideia de que são atores (conhecidos) tentando te enganar, revela a intenção do filme de fazer graça.

    A ressalva não diminui a importância do trabalho dos atores - reforçado por uma impecável reconstrução de época pelas equipes de maquiagem, figurino e direção de arte (bem-sucedidos, inclusive, na empreitada de "enfeiar" Robbie, conhecida também pela beleza). No fim das contas, a caracterização funciona para evitar a idealização da personagem (desglamourizada) e a protagonista incorpora um sotaque caipira de forma verossímil como poucas atrizes seriam capazes.

    Se tem uma coisa que falta a Tonya é glamour. Um falta muito “bem-vinda”, aliás. Os maus tratos da mãe, desde a fase criança da protagonista, a relação abusiva com o ex-marido (vivido pelo Soldado Invernal Sebastian Stan), desde a adolescência, não apenas oferecem ferramentas para entender (ou especular sobre) as motivações da personagem central, como não poupam o espectador de um tipo de violência muito presente em uma camada social (a gente não disse que a produção era também egoísta?) Trata-se de uma denúncia. Mas conduzida de forma tão distante do lugar comum e de forma tão anedótica, que não raros os momentos em que o público se pega rindo culpado.

    A inversão da expectativa é um trunfo da montagem dinâmica, que desafia a audiência a casar narração e ação - quando ambas não se encaixam. O mesmo vale para a inserção da trilha sonora e para as cenas de quebra da quarta parede - aquele momento em que o personagem se dirige diretamente ao espectador. (Não é a “invenção” da roda, mas um uso muito eficiente dela).

    Se já não bastasse o selo de "entretenimento garantido" a Eu, Tonya, o filme é capaz de trazer belíssimas sequências (principalmente as que tem lugar no ringue), apoiadas em uma fotografia lavada, condizente com os registros da época retratada. E, na reta final, ainda tecer uma contundente crítica ao culto das celebridades, à ditadura das aparências, à valorização do supérfluo, à "América", enfim. Afinal, dentro da "moral da história", pouco importa se Tonya é ou não culpada. Importa é que a América está sempre em busca de alguém para amar. Ou odiar. E você vai amar LaVona Golden. E odiá-la também.

    Filme visto no 42º Festival de Toronto, em setembro de 2017.

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    Comentários

    • Isabelle
      And the Oscar goes to ... Craig Gillespie! Melhor direção entre os concorrentes, roteiro e direção enfrentando com humor e talento o desafio de uma cinebiografia. Margot Robbie criando para si, tão jovem, um grande desafio: se manter no olimpo das grandes atrizes.
    • Jéssica Marques
      Não esperava nada do filme, mas se tornou uma bela surpresa. Interpretações impecáveis uma história fluida e que te bota para pensar. No filme achei que a Tonya era inocente, porém vendo os vídeos da Tonya de verdade eu achei ela com cara de vilã da Malhação rsrs. Enfim, passei horas vendo as apresentações dela no Youtube, é muito lindo esse esporte.
    • Arthur Dayne
      Excelente crítica! Apresenta perfeitamente o que é o filme.Na minha opinião deveria ganhar todos os prêmios desse ano, principalmente direção, montagem, roteiro e, claro, atriz coadjuvante.Muito, muuuito melhor que Lady Bird e A Forma da Água.
    • Poly S.
      Eu gostei do filme mostra como o mundo do esporte de alta performance é muito competitivo e se não tiver equilíbrio passa dos limites o filme meio que tenta justificar tonya mostrando a infância pobre e os abusos de sua mãe lavona. Eu gostei da atuação de Margot Robbie é a melhor da sua carreira, mais a estrela do filme é Alisson Jeanne que interpretação como lavona se não ganhar o Oscar não há justiça no mundo
    • Senhor Ivan
      Margot Robbie domina muito bem sua personagem,faz a melhor atuação da carreira e é digna de Oscar.
    • putriindri490
      good movie HD online; STARCINEMAPLEX18.BLOGSPOT.COM
    • petriksebastian2
      With excellent quality ; STARCINEMA62.BLOGSPOT.COM
    • Victor Martins
      O filme também faz críticas ao elitismo das olimpíadas e das modalidades esportivas, de querer uma ''imagem'' perfeita para servir de exemplo para as crianças e passar uma boa imagem dos Estados Unidos.Isso também vale para o Oscar, Grammy e outras premiações.Filme muito bom, ótima crítica Renato.
    • J?nior S.
      Francisco Russo e Lucas Salgado >>>>>>>>>>> o resto do Adoro Cinema...
    • J?nior S.
      Pelo amor de deus, alguém dá um jeito nesse Renato, nossa...
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