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    Viva
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Viva

    O sofrimento enobrece o homem?

    por Bruno Carmelo

    Nesta coprodução entre Irlanda e Cuba, a cidade de Havana é vista como um local de informalidades. A pobreza leva a práticas de corrupção e roubo, mostradas pelo diretor Paddy Breathnach como única solução possível aos habitantes. Não se fala em instituições políticas nem religiosas: os cubanos estão abandonados à própria sorte, cada um por si. Assim, o adolescente Jesus, que levou toda a vida longe do pai presidiário, precisa aprender a sobreviver sozinho quando a mãe morre.

    O roteiro não mede esforços para mostrar que a vida do garoto é lamentável, acentuada pelos perigos ligados à homofobia. O protagonista é órfão, gay, pobre e bastante frágil emocionalmente, algo acentuado pela atuação lânguida, de olhar compassivo, de Héctor Medina Valdés. O nome Jesus tampouco é obra do acaso: o drama busca efetuar uma analogia entre Cristo e este garoto puro que sofre todas as chagas. A ideia de comparar Jesus Cristo com um cubano gay pode parecer ousada, mas na prática, funciona como instrumento fácil para induzir polêmicas.

    Em termos estéticos, estamos diante de uma obra competente. Beathnach sabe aproveitar os espaços da cidade em seus enquadramentos ágeis, acompanhando o personagem pelas ruas, praças e casebres. Na primeira metade, o realismo é bem abordado, se sobrepondo ao sentimentalismo. Mesmo quando a pieguice toma conta do projeto, na metade final, a fotografia e montagem garantem uma obra de aspecto agradável, com direção de arte verossímil no retrato dos grupos frequentemente estereotipados das travestis e dos miseráveis.

    Entretanto, Viva incomoda pelo olhar piedoso aos personagens. Como num projeto religioso, acredita-se que a pessoa pode melhorar através do sofrimento. O maniqueísmo acentuado se dilui graças à democratização das angústias: o pai (Jorge Perugorria), um tipo execrável, passa a ser visto como um pobre coitado após uma reviravolta que o fragiliza; Cecilia (Laura Alemán), uma garota aproveitadora, torna-se gentil em decorrência de um drama pessoal. O filme não demonstra interesse real nos personagens, e sim uma tolerância paternalista. Na falta de motivos racionais para aceitar esses tipos agressivos, sugere-se que sejam perdoados “porque não sabem o que fazem”, como diria a Bíblia.

    O mesmo vale para a transformação do garoto Jesus na travesti Viva. Ele tem gestos pouco expressivos e roupas discretas no início. Mas quando passa a sofrer, sua interpretação melhora a cada apresentação. O ápice, como não poderia deixar de ser, ocorre após um gigantesco trauma do garoto. Viva é um filme romântico por acreditar que o artista verdadeiro transmite suas dores na obra: quanto menos razão e mais emoção, melhor. O público da boate, assim como o público da sala de cinema, aplaude em última medida o próprio sofrimento do personagem: as dores íntimas são transformadas em espetáculo.

    Embora a exploração da trajetória de Jesus possa incomodar, o resultado final é um melodrama competente, de narrativa coesa e previsível. Algumas atuações muito boas (especialmente de Luis Alberto Garcia, como Mama) elevam a qualidade do conjunto. Para quem gosta de um bom “filme para chorar”, o efeito é garantido.

    Filme visto no 24º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2016.

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