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    Cinebiografia do fundador da Ferrari perde em potência e tem Penélope Cruz como ponto mais alto

    por Rafael Felizardo

    Não é equívoco algum afirmar que, de tempos em tempos, o glamoroso universo da sétima arte se reformula. Se, em décadas passadas, vimos gêneros como o faroeste ou o noir dominarem as salas escuras, hoje, tais tipos de produções praticamente sumiram desses espaços, dando lugar aos milionários filmes de super-heróis - que parecem estar em declínio - e também às cinebiografias.

    Só no ano passado, obras como Oppenheimer, Napoleão, Maestro, Priscilla, Som da Liberdade e outras foram figuras marcantes no imaginário dos cinéfilos. Sem deixar a tendência de lado, 2024 parece dar continuidade ao movimento, apresentando aos espectadores Bob Marley: One Love, Uma Vida - A História de Nicholas Winton e The Promised Land.

    Desta forma, lotado de hype, estreia nesta quinta-feira (20) em solo brasileiro, Ferrari, mais um título que se encaixa na categoria supracitada - só que agora assinado por Michael Mann (Colateral) e protagonizado por nomes como Adam Driver, Shailene Woodley, Penélope Cruz, Patrick Dempsey e Gabriel Leone.

    A epopeia de Penélope Cruz

    Na trama, somos apresentados à história de vida do poderoso empresário italiano de carros esportivos, Enzo Ferrari. Ambientada em meados dos anos 1950, acompanhamos um recorte onde o magnata encontra-se em crise. A falência assombra a empresa que ele e a esposa, Laura, construíram, enquanto seu casamento está instável. Assim, Ferrari decide contrapor as perdas apostando tudo na famosa Mille Miglia, uma corrida que acontecerá em pouco tempo, na Itália.

    Logo de início, vale colocar que faz todo o sentido Adam Driver ter sido escalado como o personagem-título do longa-metragem. Descrito no enredo como um homem egocêntrico, focado e lotado de pragmatismo, Enzo Ferrari é o tipo de papel que Driver sabe como apresentar frente às câmeras. Se no passado o astro arrancou elogios ao portar Maurizio Gucci no também biográfico Casa Gucci, mais uma vez, ele entrega uma atuação que convence, amparada por um departamento de maquiagem esplêndido que vale a pena ser saudado.

    Alguns podem estranhar o contraponto frio empregado por Driver levando em consideração que Ferrari era conhecido por ser um homem dotado de carisma, mas isso se deve ao fato de Mann ter pensado o recorte de sua obra como um drama que segue pelo caminho dos Oscar-bait, optando por um tom mais melancólico para o protagonista.

    Neon

    Em mais uma atuação esplêndida na carreira, Penélope Cruz segue como o ponto alto da história ao viver Laura Ferrari, esposa de Enzo. Com uma fisicalidade que impressiona portada através de expressões constantes de frustração e dor, Cruz escorre em Laura a potência que muitas das vezes falta a Enzo. De caráter imprevisível, vemos na mulher a figura de maior fundo emocional do filme, machucada pela perda não digerida de um filho; por um casamento fracassado e portadora de grande parte do suspense apresentado pela narrativa.

    Vale também colocar que Shailene Woodley e Gabriel Leone não comprometem, respectivamente sob as alcunhas de Lina Lardi e Alfonso De Portago. Ambos contam com trabalhos sóbrios que não abrem muito para discussão - e saem prejudicados por algumas escolhas de enredo do diretor.

    Infelizmente falta potência em Ferrari

    Historicamente uma das companhias mais icônicas do mundo das quatro rodas, a memória da Ferrari e do automobilismo por diversas vezes se confunde. Não à toa, os torcedores da Scuderia Ferrari (equipe de Fórmula 1) ganharam um nome próprio para extravasar seu entusiasmo, conhecidos popularmente por quem acompanha o esporte como os Tifosi.

    Assim, não é mentira afirmar que o filme de Mann começa pecando ao destoar da paixão movimentada pela empresa. Em tela, presenciamos uma trama por muitas das vezes sem potência, ancorada em atuações concisas, mas que infelizmente não chegam a ser suficientes por conta do cineasta.

    Em uma inevitável comparação, se colocarmos Ferrari ao lado de Rush, outro filme biográfico focado no mundo automobilístico, temos no último uma obra muito mais robusta, onde as emoções afloradas traduzem o esporte. Ferrari até apresenta algumas tomadas que podem levar o espectador mais para a ponta da poltrona, mas a essência do cavallino rampante teima em desaparecer.

    Sinceramente, nos momentos em que o longa não se concentra nas corridas, acompanhamos um estágio da vida de Enzo que não sei se foi a melhor escolha para uma produção deste cacife. Cinematograficamente, Ferrari entrega um agradável emaranhado de conceitos técnicos (fotografia, montagem, figurino…), mas, como dito anteriormente, falta certa faísca.

    Neon

    Fora das pistas, os momentos mais interessantes ficam nos embates entre os personagens de Driver e Cruz. Aqui, encontramos um pouco dessa intensidade, alimentada em muito pela atuação visceral da atriz.

    Vale também ressaltar que a cansativa resistência norte-americana para assistir a produções que estejam em outro idioma prejudica o longa. Por conta disso, Mann optou por apresentar seus personagens empregando a língua inglesa misturada a um sotaque italiano; fato que deixa a coisa meio constrangedora. De forma simples, o cineasta poderia optar por um elenco que falasse italiano - ou então eliminar o absurdo sotaque.

    A experiência de assistir a Ferrari

    Em outras palavras, Ferrari não é aquele tipo de produção que agradará a todos. De narrativa contida, o primeiro filme de Michael Mann após um hiato de oito anos tem um produto final que convence, mas possuía pano na manga para apresentar mais.

    Ao caminhar pela jornada de Enzo, Mann parece ter dificuldade em persuadir o espectador de que o empresário foi mais do que um homem infiel. Na opção por criar a história do ídolo falho, o longa fica preso a uma narrativa que por vezes cansa, perdendo a oportunidade de se desenvolver além disso.

    Com fotografia, montagem e figurino sólidos, a obra peca na utilização de computação gráfica em nível abaixo do ideal, mas isso não é o suficiente para atrapalhar a experiência como um todo, e para os menos exigentes pode passar despercebido.

    Em resumo, a experiência Ferrari pode ser decepcionante dependendo do que o espectador espera - principalmente se este tomar como base certas produções hollywoodianas automobilísticas dos últimos anos, como a já citada Rush ou mesmo Ford vs. Ferrari.

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