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    Últimas Conversas
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Últimas Conversas

    A agonia do criador

    por Francisco Russo

    Últimas Conversas, o derradeiro filme dirigido por Eduardo Coutinho, tem um início surpreendente: com o próprio Coutinho na cadeira de entrevistado. Se é verdade que o diretor jamais omitiu a participação em seus documentários, na enorme maioria dos casos o público tinha apenas a chance de ouvir sua voz. Mais do que apresentar a proposta de seu novo longa-metragem, Coutinho vem a público para revelar sua aflição com o filme ainda em formação. "É melhor não fazer do que ter um filme de 70 minutos em que não se acredite", diz em determinado momento. "Sempre cumpri meus contratos, mesmo que tenha assinado para fazer um filme e entregue outro", complementa. "Me arrependo de não ter feito com criança", lamenta.

    A proposta de Últimas Conversas era, de certa forma, simples: falar com adolescentes, entre 16 e 18 anos, vindos de escolas públicas do Rio de Janeiro.  O objetivo não era propriamente esmiuçar a qualidade (ou não) da educação pública - esta tarefa já foi cumprida pelo contundente Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim -, mas saber um pouco mais sobre quem são estes jovens prestes a adentrar na dura vida adulta. Para o diretor, o maior problema era o comportamento típico do adolescente. "O jovem vem moldado", reclama. O cinismo e a arrogância típica de quem acha que sabe tudo sobre a vida era outro problema, bem como a "ausência de memória" com tão pouca idade. Mas o entrevistador era Eduardo Coutinho. E ele, coutiniando como sempre, consegue extrair muito mais do que se espera.

    Não foi fácil, é bem verdade. Em vários momentos é possível notar o quão incomodado estava o diretor, pela forma como respondia às frases feitas proferidas pelos seus jovens entrevistados, às vezes deixando-os desnorteados. Sempre sem grosseria, como era de seu feitio. Coutinho tinha o dom da conversa e, através dela, fazia com que as pessoas se expusessem. Às vezes em detalhes aparentemente triviais, como a roupa vestida ou a música apreciada, mas que tão bem explicam o comportamento de quem fala. Em outras, indo em questões profundas que tanto revelam não apenas sobre o que é ser brasileiro mas também sobre a natureza do ser humano. É neste ponto que o filme atinge a grandiosidade, ao abordar de forma tão honesta e ao mesmo tempo tão crua questões essenciais como intolerância racial, igualdade sexual e abuso de menores. São momentos que, além de despertar questionamentos sobre que sociedade é esta, revoltam.

    Se por um lado Últimas Conversas possui trechos desoladores, por outro é capaz também de promover risadas com gosto pelo inusitado provocado pelo contraste de gerações envolvendo entrevistador e entrevistado. Esta dualidade entre o rir e o chorar, tão comuns na vida real, é mérito não apenas da habilidade na condução de entrevistas mas também da edição feita por Jordana Berg e João Moreira Salles, responsáveis pelo filme após a trágica morte de Coutinho. É possível até que o documentário fosse um pouco diferente caso Coutinho tivesse participado da montagem, já que há uma valorização à figura do diretor de forma que o espectador possa acompanhá-lo melhor em plena atividade. "O que vou fazer se não filmo?", ele pergunta no decorrer do filme.

    No fim das contas, Últimas Conversas é um belíssimo filme por vários motivos: por tão bem apresentar o estilo do diretor ao fazer documentários, pela abordagem a questões tão delicadas e ao mesmo tempo tão necessárias, pela reflexão provocada como poucos filmes na atualidade conseguem, pelo processo de construção de um filme a partir das dúvidas sobre qual seria sua essência e pela bela despedida a este que é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores diretores da história do cinema brasileiro. Há pelo menos duas sequências que merecem entrar em qualquer antologia que se faça com os melhores momentos de sua carreira.

    Filme visto no 20º Festival É Tudo Verdade, em abril de 2015.

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