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    Demônio de Neon
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Demônio de Neon

    A imagem que se vê

    por Francisco Russo

    Poucos diretores são tão perfeccionistas em relação ao apuro visual de seus filmes como Nicolas Winding Refn - ou apenas NFR, como assina este novo longa-metragem. Uma característica que já podia ser notada no estiloso Drive, bastante dependente do modo como a narrativa foi construída, e também no exagerado Apenas Deus Perdoa, onde este fetiche foi elevado à enésima potência em longas sequências que pouco ofereciam além da supremacia da forma perante o conteúdo. Um caminho que o diretor segue mais uma vez em The Neon Demon, para o bem e para o mal.

    Desta vez, Refn explora um universo cuja essência é a própria imagem, ou ao menos a imagem que se deseja transmitir às pessoas. O mundo da moda é retratado a partir do olhar e das experiências da ingênua Jesse, uma jovem de 18 anos recém-chegada a Los Angeles que simboliza a própria beleza natural, aquela que faz os olhos de todos brilharem graças à sua mera existência. Para personificá-la, o diretor fez uma escolha cirúrgica: a angelical Elle Fanning, de imenso impacto na telona não apenas por seu carisma, mas por se adequar tão bem à essência da personagem.

    Consciente da atriz que tinha em mãos, Refn contruiu em torno de si uma narrativa que aponta para as agruras do mundo da moda. O ego inflado das modelos e a busca incessante pela juventude são os alvos mais fáceis, mas há ainda uma narrativa estética onde Jesse e quem estiver à sua volta se comunicam através de espelhos, ressaltando não apenas a importância do objeto neste vaidoso universo, mas também que existe uma outra face além da mais óbvia. Tudo pontuado por uma trilha sonora tecno, além de muitos cenários estilizados com direito a variadas mudanças de iluminação. Ou seja, o preciosismo em torno da forma, como o diretor tanto gosta.

    Enquanto estética e narrativa trabalham em sintonia, com o apuro visual servindo ora para retratar ora para criticar o universo da moda, The Neon Demon funciona razoavelmente bem, por mais que haja exageros aqui e ali. Elle Fanning, por exemplo, em vários momentos soa como uma boneca do diretor, que pode ser maquiada e vestida de toda forma possível. Por outro lado, há acertos na tensa e bem construída sequência do primeiro ensaio fotográfico de Jesse e na escalação de Jena Malone como a maquiadora Ruby, graças ao característico sorriso sarcástico da atriz. Só que, à medida que o filme avança, Refn demonstra cada vez menos interesse na história em torno de sua personagem principal. É quando o filme degringola de vez.

    Seja através de subtramas apresentadas e logo em seguida abandonadas, como a envolvendo o brutalizado (e surpreendente) coadjuvante interpretado por Keanu Reeves ou até mesmo o jovem fotógrafo que abre o longa-metragem, The Neon Demon cada vez mais se transforma em um mero exercício estético de seu diretor, com direito aos mesmos cacoetes visuais que tanto prejudicaram Apenas Deus Perdoa. A começar pela fala arrastada das personagens em longuíssimas cenas contemplativas, como se estivessem sempre em câmera lenta, ou as supostas sequências de tensão gratuita, como a da invasão do quarto de hotel de Jesse e quando a própria está na piscina. O didatismo dos diálogos é outro problema, esmiuçando ao espectador o caminho cada vez mais sombrio para o qual a trama central caminha.

    Diante disto, The Neon Demon torna-se uma imensa decepção. Não apenas pela análise até mesmo redundante em torno do mundo da moda, repetindo obviedades sem jamais colocar o dedo na ferida, mas também pelo potencial desperdiçado em personagens e situações. A opção pelo estranho, no sentido de criar um certo clima de terror justificado, flerta muito mais com o bizarro do que com o aterrorizante ou com algum tipo de alerta sobre os exageros do universo retratado, como aparenta ser a intenção do diretor. Obcecado em criar sequências plasticamente impressionantes, com direito a muito uso do vermelho e do azul, Refn mais uma vez caiu em sua própria armadilha ao criar momentos de um simbolismo vazio, que pouco adicionam à história como um todo.

    Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.

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