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    Nós ou Nada em Paris
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Nós ou Nada em Paris

    Miséria feliz

    por Bruno Carmelo

    É possível fazer um filme alegre sobre a tristeza? Uma comédia de guerra, uma paródia da pobreza? Diretores como Charlie Chaplin (O Grande Ditador), Mel Brooks (Primavera Para Hitler) e Terry Jones (A Vida de Brian) provaram que sim. Para mostrar que não aderiam aos discursos dos tiranos, usaram ferramentas de linguagem como a ironia, o sarcasmo, as metáforas lúdicas. Por caminhos diferentes, todos tornavam claro o seu distanciamento em relação à opressão retratada.

    Em seu primeiro filme como diretor, o rapper e comediante de stand-up Kheiron busca efetuar algo semelhante ao retratar a história de um ativista iraniano (o próprio Kheiron) que enfrenta a tortura do governo local, a prisão, a miséria e o exílio forçado ao lado da esposa (Leïla Bekhti). Mas nada de lágrimas: o cineasta quer tratar esses assuntos com a leveza de uma comédia familiar, sem a poesia de Chaplin, nem a crítica social afiadíssima de Monty Python, apenas uma ingenuidade política e social perturbadora.

    Assim, uma narração didática diz quem são os mocinhos e quem são os bandidos, explica os sentimentos e intenções dos personagens. A pobreza em que cresceu o protagonista Hibat é retratada numa montagem divertida, herdeira das listas de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Quando é preso, o militante não pensa em fugir, apenas briga com o colega de quarto sobre o melhor colchão. Na hora dos banhos de sol, faz piadas com os colegas. Nos momentos de tortura, suas pernas tremem no enquadramento, em efeito cômico. Todo sofrimento é triturado pelo imperativo da diversão.

    Se na primeira metade Kheiron acredita estar realizando o novo A Vida é Bela, na segunda metade ele se aventura nos filmes de professores que transformam a vida de alunos difíceis, como Mentes Perigosas. Exilado numa periferia perigosa, ele descobre, veja só, que basta um pouco de amor para um grupo de jovens delinquentes se afastarem do crime e se transformarem em líderes comunitários. Partimos de uma idealização à outra: o roteiro vai de “Tudo pode ficar bem se você olhar o lado positivo das coisas” a “O ser humano nasce bom, mas a natureza o corrompe”.

    Nós ou Nada em Paris é composto de bons selvagens vivendo num mundo surreal. Nem mesmo o cenário convence: o Irã sorridente da ditadura é povoado por pessoas que só falam francês, e recheado de atores franco-árabes interpretando persas. Com o acréscimo da trilha sonora pop, das cores saturadas e dos planos próximos televisivos, percebe-se que a História do Irã interessa ao diretor apenas como pano de fundo dramático, despido de conflitos sociais, políticos ou econômicos.

    O título nacional contribui a esvaziar o sentido do projeto. A história se passa dois terços no Irã, um terço na periferia da região Île-de-France, e cerca de um minuto, literalmente, na capital francesa. O costume nacional de embutir “Paris” e “Nova York” no máximo de títulos independentes possíveis gera alguns absurdos do gênero. Mas este é o menor dos problemas do projeto. Tentando forçar um feel good movie mesmo nos momentos mais violentos, o diretor foge da responsabilidade histórica e política em relação aos fatos que retrata.

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