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    De Cabeça Erguida
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    De Cabeça Erguida

    Por dentro do sistema

    por Francisco Russo

    Muitos ficaram surpresos quando o obscuro filme francês De Cabeça Erguida foi selecionado para abrir o Festival de Cannes 2015, já que o evento costuma reservar a data para grandes produções que tragam (ainda) mais holofotes. Ao assisti-lo, é fácil compreender o porquê da escolha.

    Dirigido pela também atriz Emmanuelle Bercot, La Tête Haute ("De Cabeça Erguida", em tradução literal) acompanha os 10 anos em que o jovem Malony (o estreante Rod Paradot, em boa atuação) precisa lidar com a juíza Florence Baque (Catherine Deneuve), devido à negligência da mãe em sua criação e, posteriormente, aos problemas por ele causados na adolescência. "Ele é um delinquente desde que começou a andar", ela diz. "Criei um monstro", complementa a mãe.

    Diante deste histórico, o longa-metragem explora bastante as impressionantes explosões de raiva de seu personagem principal. Entretanto, mais do que propriamente acompanhar Malony, a diretora está mais interessada em ressaltar o sistema francês de reabilitação de delinquentes juvenis, personificado (e humanizado) nos personagens de Deneuve e Benoît Magimel. Para tanto, capricha no lado rebelde do jovem protagonista, de forma que ele cometa atos cada vez mais graves. O pulo do gato é o modo como é tratado pelas autoridades a cada nova infração, sempre buscando algum meio de evitar um possível futuro destruído.

    Outra questão problemática enfrentada pelo longa-metragem é o súbito interesse amoroso que surge para o personagem principal, já que as roteiristas Emmanuelle Bercot (a própria diretora) e Marcia Romano parecem mais interessadas nas consequências deste fato do que propriamente em situá-lo. Por outro lado, há duas abordagens interessantes: o lado abrutalhado de Malony até mesmo no sexo, ressaltando o quanto este tipo de atitude está intrínseca à sua personalidade, e um possível narcisismo no personagem. Afinal de contas, a aparência da jovem Tess (Diane Rouxel) é bem parecida à de Malony, já que ela usa cabelo bem curto. Seria este um sinal visual de que Malony, em sua busca pela liberdade pessoal, apenas se permitiria interessar por alguém que fosse parecido com ele? O filme não aborda de forma explícita esta questão, mas deixa este indício no ar.

    De Cabeça Erguida segue a linha de filmes franceses recentes, como Entre os Muros da Escola e Polissia, que buscam humanizar o serviço público ao ressaltar as angústias e frustrações existentes na realização de um trabalho árduo. Neste caso em específico, por mais que o sistema francês seja merecedor de elogios, tanto pela valorização do lado humano quanto pelos próprios esforços neste sentido, o filme deixa um certo incômodo pelo lado panfletário que assume ao longo de todo o longa-metragem. Em boa parte esta glorificação aparece camuflada, entremeada à própria história – interessante – de Malony, mas surge com toda força justamente na cena final, exibida de forma a ressaltar todo o sistema como um orgulho nacional. Apesar disto, trata-se de um filme correto que consegue manter a atenção do espectador, muito graças ao desempenho de seu jovem protagonista.

    Filme visto no 68º Festival de Cannes, em maio de 2015.

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