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    Quase Samba
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Quase Samba

    Experiência contida

    por Bruno Carmelo

    Quase Samba é um projeto singular. O drama apresenta uma ciranda com quatro personagens: a cantora Teresa (Mariene de Castro), o policial Fernando (Otto), o técnico Charles (João Baldasserini) e a crossdresser Shirley (Cadu Fávero). A sinopse sugere que Teresa é a personagem principal, mas todos têm igual importância, ocupando quase o mesmo tempo de tela, enquanto o diretor Ricardo Targino altera os pontos de vista para representar os amores e brigas dos quatro.

    Com a fragmentação do olhar, o início do filme é um tanto confuso. Vemos cenas desconexas sobre estes personagens, sem saber como se entrelaçam. As cenas do policial narrando atos de barbárie ao telefone e do técnico dormindo ao lado de diversos televisores certamente teriam muita força caso o público tivesse o mínimo de informações sobre cada um deles. Mas o roteiro e a montagem demoram até unir as peças, preferindo colar momentos poéticos ao invés de investir no desenvolvimento narrativo.

    Assim, o início hermético oferece algumas belezas do cinema digital, incluindo imagens deslizando na tela como se fossem uma falsa película com defeito, um sol intenso encobrindo Shirley sobre uma motocicleta, o glitter voando lentamente pelos ares. Enquanto as atuações buscam o realismo no limite da improvisação, a direção faz escolhas tão artificiais que, ironicamente, retiram a naturalidade das cenas (a bolha de sabão em frente ao casal Teresa-Charles, as crianças espalhando fumaça colorida pela rua, os personagens conversando através de uma porta convenientemente transparente e colorida).

    Quase Samba transita entre o desejo contido de ser uma obra estetizante e o desejo igualmente contido de ser próximo da vida real. É a velha dicotomia do cinema entre realidade e artifício, apreensão e desconstrução do mundo. Targino fica em cima do muro, proporcionando cenas belas em cada um dos dois registros, mas sem atingir um investimento satisfatório em nenhum deles. Do mesmo modo, os enquadramentos (obsessivamente fixos, fechados no rosto dos atores, sem profundidade de campo) não permitem explorar o movimento, a ação, os espaços, tornando o conjunto teatral e inerte.

    O roteiro contribui para a sensação de uma obra heterogênea. A história parece ter sido reescrita diversas vezes, com momentos cortados e outros embutidos. Alguns personagens coadjuvantes ameaçam trazer grande importância à trama (como o vizinho voyeur, o personagem de Erom Cordeiro), mas desaparecem sem deixar vestígios. O maniqueísmo se apresenta como uma concessão à linguagem comercial: Charles é bondoso até demais, sempre com um sorriso tolo nos lábios, já Fernando é malvado como os piores vilões de Hollywood. Teresa, Charles, Shirley e Fernando são personagens que agem, mas não refletem, não expressam sua tristeza, sua alegria, seu desejo – não é de se espantar que exista uma grande elipse entre o reencontro de Teresa com o ex-namorado e a cena em que ela aparece na banheira de um motel, ao lado dele. Este universo é observado de fora, com carinho, mas sem interesse de mergulhar na psicologia de nenhum deles.

    Quase Samba é um filme repleto de boas intenções e de uma saudável vontade de subverter a linguagem, transitando entre o lúdico e o concreto. Mas faltaram afinamento ao roteiro, maior profundidade aos personagens e principalmente um pulso firme do diretor para alinhar tantos tons, ideias e discursos. Neste sentido, a palavra “quase” do título representa muito bem a reticência das escolhas: o filme é quase radical, quase poético, quase realista, quase político. Mesmo assim, a obra revela a busca por um traço autoral – algo que ainda pode render bons frutos nas mãos de Targino e sua equipe.

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