Poucos filmes conseguem alcançar o patamar de "ruindade lendária" como Cinderela Baiana (1998). Dirigido por Conrado Sanchez e estrelado por Carla Perez, a produção pretendia ser uma cinebiografia ficcional da dançarina do grupo É o Tchan!, mas acabou se tornando um desastre cinematográfico de proporções épicas. O longa falha de maneira tão completa e em tantas áreas que chega a ser um feito notável.
O enredo segue Carla (Carla Perez), uma jovem pobre do sertão baiano que, após a morte de sua mãe, se muda com o pai para Salvador em busca de uma vida melhor. Lá, ela se torna uma dançarina talentosa (sem nunca ter estudado, porque o talento, segundo o filme, é um dom divino), sendo descoberta por Pierre (Perry Salles), um empresário ardiloso que deseja explorá-la financeiramente. Com a ajuda de amigos e de seu namorado, Alexandre (Alexandre Pires), Carla enfrenta Pierre e decide trilhar sua própria jornada no mundo da dança.
O problema não é apenas a simplicidade do enredo, mas sua execução desastrosa. A narrativa não tem progressão lógica, os eventos acontecem sem motivo aparente e os conflitos são resolvidos sem qualquer esforço dramático. Por exemplo, a transição entre momentos de sofrimento e alegria ocorre sem a menor coerência emocional. Uma das cenas mais emblemáticas dessa falha ocorre quando Carla perde a mãe e, minutos depois, aparece dançando e sorrindo, como se absolutamente nada tivesse acontecido.
É como se o filme não conseguisse decidir se quer ser um drama inspirador, um musical ou uma comédia involuntária – o que, aliás, é a única coisa que ele consegue ser com maestria.
Se o roteiro já é problemático, a atuação consegue piorar a situação. Carla Perez, a estrela do filme, simplesmente não sabe atuar. Sua performance é uma coleção de falas recitadas mecanicamente, expressões exageradas e uma total falta de emoção. Há momentos em que ela parece estar lendo as falas de um papel invisível à sua frente, enquanto em outros, seus gestos são tão artificiais que mais parecem um robô tentando imitar um ser humano.
Os coadjuvantes também não ajudam. Perry Salles, um ator experiente, parece estar constrangido o tempo todo, como se estivesse em um estágio avançado de arrependimento por ter aceitado o papel. Alexandre Pires, por sua vez, parece tão deslocado quanto um cantor de pagode em um filme de ação. Lázaro Ramos, um dos poucos talentos reais do elenco, faz o que pode com o material disponível, mas claramente não consegue salvar um barco já afundado.
Se existisse um prêmio para atuações mais involuntariamente hilárias do cinema brasileiro, Cinderela Baiana provavelmente levaria o troféu de todos os tempos.
Considerando que se trata de um musical, espera-se que ao menos a trilha sonora tenha algum mérito. Infelizmente, o filme falha até nisso. As músicas são uma mistura genérica de axé e samba, que poderiam muito bem tocar em qualquer micareta de segunda categoria.
O problema maior é que as músicas não têm impacto narrativo algum. Elas surgem de maneira abrupta, sem conexão com os eventos da trama, e desaparecem tão rapidamente quanto aparecem. Diferente de musicais de sucesso, onde as canções ajudam a desenvolver a história ou os personagens, aqui elas parecem ter sido inseridas aleatoriamente apenas para preencher tempo de tela.
Para completar, a coreografia é risível. Mesmo com Carla Perez, uma dançarina profissional, as sequências de dança parecem ensaiadas minutos antes da filmagem, com movimentos repetitivos e sem energia.
A cinematografia de Cinderela Baiana é um show de horrores técnicos. A iluminação parece ter sido feita sem planejamento, com cenas escuras demais ou excessivamente brilhantes. O enquadramento é bizarro, com cortes abruptos que deixam o espectador desorientado.
Os erros de continuidade são gritantes. Em um momento, Carla aparece com um figurino; segundos depois, está vestindo outra roupa completamente diferente, sem explicação alguma. Há também cenas onde os atores simplesmente olham diretamente para a câmera, quebrando qualquer ilusão de narrativa cinematográfica.
O filme custou 2,9 milhões de dólares, um valor absurdo para a época. O questionamento inevitável é: onde foi parar esse dinheiro? Certamente, não na produção.
O roteiro de Cinderela Baiana parece ter sido escrito em um guardanapo de papel, e depois passado a limpo por alguém que não falava português direito. Os diálogos são artificiais, repetitivos e completamente desconectados da realidade.
Exemplo clássico: em uma cena, Carla grita "Eu quero dançar!", como se esse fosse o momento mais dramático do filme. No entanto, o contexto é tão sem impacto que a frase soa como uma exigência de alguém tentando pedir música em um bar lotado.
A motivação dos personagens também é um mistério. O vilão Pierre não tem um objetivo claro, a jornada de Carla é basicamente um conjunto de coincidências aleatórias, e os coadjuvantes entram e saem da história sem qualquer propósito.
O final do filme não apenas não entrega uma resolução satisfatória, como também não faz o menor sentido. Carla simplesmente decide seguir sua carreira por conta própria e tudo se resolve como um passe de mágica. Não há um clímax real, não há uma redenção ou conflito significativo.
O público termina o filme não apenas confuso, mas se perguntando se realmente precisava ter assistido até o final.
Se Cinderela Baiana tentou ser uma história inspiradora, o resultado foi o oposto: uma verdadeira aula de como não fazer cinema. O roteiro falho, a direção desastrosa, a atuação amadora e a cinematografia precária fizeram do filme um marco do cinema trash brasileiro.
Entretanto, é justamente essa incompetência que tornou Cinderela Baiana um clássico cult. Hoje, o filme é assistido não pelo que tentou ser, mas pelo desastre espetacular que conseguiu ser.
Se você deseja assistir a um filme ruim para rir do absurdo, esta é uma ótima escolha. Se busca um musical bem-feito ou uma narrativa coerente, fique longe.