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    O Cheiro da Gente
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    O Cheiro da Gente

    Do realismo ao fetichismo

    por Bruno Carmelo

    Larry Clark já sofreu muitos ataques em sua carreira. Pelas fortes imagens de sexo, drogas e violência envolvendo adolescentes, foi acusado de ser condescendente, de explorar seus atores, e mesmo de apoiar a pedofilia. As acusações contra Kids (1995), Bully (2001) e Ken Park (2002) podiam ser contestadas pela abordagem realista do cineasta: o sexo e a violência eram tratados com o mesmo naturalismo das cenas dos jovens vendo televisão, conversando nas escolas, brincando um com os outros, andando de skate. Desta maneira, o sexo não ganhava um tratamento especial, ele fazia parte de uma escolha estética mais ampla de Clark. Além disso, a falta de julgamento moral em relação às atitudes dos personagens não equivalia a defendê-las.

    Nos últimos trabalhos, o cineasta parecia conquistar a crítica com abordagens sociológicas, com menos intenção de chocar do que nos primeiros filmes. Com Wassup Rockers (2005), Impaled (2006) e Marfa Girl (2013), o foco se dava nas conversas, na banalidade do cotidiano, na relação com os pais e com as instituições sociais. Clark caminhava rumo a uma espécie de amadurecimento no olhar e no discurso. Mas esta impressão se dissipa diante de seu primeiro filme francês, em que a vontade de incomodar e provocar retorna com força total.

    O Cheiro da Gente parece, finalmente, dar razão aos seus detratores. A trama apresenta jovens skatistas franceses, de classe média alta, que se prostituem para comprar drogas, roupas ou simplesmente para combaterem a sensação de vazio. Talvez por não conhecer a sociedade francesa tão bem quanto a americana, o filme evita efetuar relações com a cultura local, com os costumes, com a sociedade e as famílias francesas. O contexto, fundamental para sustentar as imagens de exploração de menores, desaparece: sucedem-se apenas cenas de adolescentes fazendo sexo e consumindo drogas.

    O naturalismo que Clark demonstrava na exibição dos corpos é trocado por um olhar fetichista: a maioria das imagens foca primeiro no volume da cueca dos garotos, antes de deslizar por todo o corpo e finalmente encontrar o rosto que lhes confere uma identidade. O diretor sempre contou suas histórias pelo ponto de vista dos próprios jovens, mas desta vez, com seus planos próximos de pênis, bundas e seios, é o olhar do adulto, do usuário da prostituição que está em jogo. Não ajuda muito o fato de o próprio cineasta se colocar em cena, no papel de um mendigo que tem cenas de sexo com o protagonista.

    Com a intensificação da inconsequência dos jovens, o realismo vai transitando para algo próximo do grotesco. A cena de sedução entre Math e sua mãe beira o surrealismo, assim como o instante em que o colega de origem oriental, após um encontro sexual mal resolvido, foge da casa atormentado, falando japonês. Existe pouca ternura pelos personagens, e pouco afeto deles uns pelos outros. Não existe mais compaixão ou cumplicidade nestes retratos, apenas uma sensação de vazio e de falência do sistema, sem causas nem consequências.

    O Cheiro da Gente até ensaia alguns momentos poéticos, no início da trama. Existem interferências digitais típicas dos filmes caseiros, além de uma trilha sonora melodiosa que se sobrepõe à música agressiva das discotecas. A própria vontade de filmar o odor - grande desafio para o cinema - é louvável, com personagens cheirando-se durante o sexo e a câmera deslizando ao longo da pele dos personagens. Mas esta beleza é abandonada depois de 30 minutos de projeção, privilegiando a abordagem frontal e expositiva. Mesmo a presença de um garoto filmando todas as cenas de sexo com um celular é desperdiçada: as imagens nunca são usadas para nenhum propósito, não servem como motor narrativo.

    Por fim, este é um filme hesitante, incoerente, que nunca sabe muito bem qual discurso pretende adotar em relação aos jovens prostitutos. Esta não é mais uma história sobre os jovens entre eles, mas sobre adolescentes vistos por adultos, e sobre franceses vistos por americanos. A exterioridade contribui à impressão de objetificação, de exploração, além de ser eticamente contestável posicionar a câmera tantas vezes na virilha de seus garotos. Talvez a intenção fosse apenas captar o cheiro do sexo, o cheiro dos corpos, mas sem recursos metafóricos que representem o olfato, o resultado é apenas a questionável tentativa de estímulo sexual a partir dos corpos de menores de idade.

    Filme visto no Festival do Rio, em setembro de 2014.

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