Depois de várias mudanças em questões temáticas, visuais, narrativas e até mesmo humorísticas, os filmes do universo DC/Warner parecem agora terem tomado um rumo, digamos, “fixo” – se até Batman Vs Superman se sobressaia o tom escuro visualmente, por exemplo, a partir de Liga de Justiça notou-se um cuidado para se “colorir” mais o visual – fugindo do estilo que funcionou tão bem na trilogia genial de Christopher Nolan sobre o Batman – não pertencentes a este universo.
Sob a batuta de Zack Snyder desde O Homem de Aço (2013), a DC nos cinemas só ganhou mais crédito graças as decisões acertadas da direção de Patty Jenkins em Mulher-Maravilha (2017) e – mesmo que com vários problemas – acertou mais em Liga da Justiça (co-dirigido por Joss Whedon) do que nos filmes anteriores de Snyder (com excessão de Homem de Aço, que considero um bom filme) – sendo assim, a noticia boa é que Aquaman consegue ter um estilo próprio e adequado com as mudanças vistas nos últimos dois filmes da franquia – mas a noticia ruim é que o filme solo do super-herói subaquático não deixa de ser um “mais do mesmo”, uma produção que não confere muitas surpresas e nem se preocupa em escapar de inúmeros clichês do gênero.
E digo isso mesmo tendo me surpreendido com o fato de que o diretor James Wan (de Invocação do Mal e Jogos Mortais) conseguiu livrar o personagem do tom quase ridículo (“falar com peixes”) que sempre lhe foi imposto em desenhos animados e até nos quadrinhos (os quais conheço muito pouco) – mesmo que já tenhamos visto Aquaman agindo em Liga da Justiça – com um tom de “garoto rebelde” e com um físico muito bem trabalhado, o personagem de Jason Momoa tem sua origem contada aqui – mas ao contrário da preparação épica que já vimos em filmes como o Superman de Richard Donner ou o Batman de Nolan, Wan apresenta em menos de 15 minutos tudo o que precisamos saber sobre a concepção de Arthur Curry – em 1985, o faroleiro Tom Curry (Morrison) encontra próximo aos rochedos de sua casa a princesa Atlanna (Nicole Kidman) desmaiada – tendo fugido de seu mundo, o reino subaquático de Atlântida, por não aceitar um casamento forçado, eles logo se apaixonam e tem o pequeno Arthur; mas em poucos anos, o rei de Atlântida resolve buscar Atlanna, que aceita voltar, com o intuito de proteger seu marido e filho pequeno – a medida que cresce, Arthur é tutelado pelo guerreiro (e amigo de Atlanna) Vulko (Dafoe), que lhe ensina a dominar seus poderes e proteger os seres dos oceanos – mas ao tomar conhecimento que seu meio-irmão Orm (Wilson) está tentando causar uma guerra entre os reinos aquáticos apenas para atacar os humanos e, com isso, se tornar o rei de Atlântida, Arthur, com a ajuda da guerreira Mera (Heard), tentará encontrar o Trident de um antigo rei, única coisa que poderá ajuda-lo a enfrentar Orm.
Depois de um inicio que resume rapidamente a origem do herói – com uma desnecessária e um tanto apelativa narração em off de Momoa – o filme se aventura pelas tramas envolvendo disputa pelo verdadeiro herdeiro do trono, vilão que é um filho querendo vingar a morte do pai – na figura de Yahua Abdul, vivendo o personagem Arraia Negra com motivações pouco exploradas e estruturadas – alias, sem querer colocar a Marvel no meio para comparar mas já comparando, a disputa entre herdeiro do trono em Pantera Negra era mostrada de forma bem mais interessante do que aqui, por exemplo – deixando o sempre eficiente Patrick Wilson com pouco a demonstrar em seu Rei Orm, devido a pouca personalidade e pouca multifacetação de seu personagem – o que é uma pena, pois ele tem motivos bastante fortes para querer desencadear uma guerra contra os humanos – afinal, quem polui e mata os animais nos mares? Infelizmente, o roteiro não gasta nem um minuto para discutir isso, deixando Orm com mais cara de Dr. Evil do que um vilão com motivações claras e bem fundamentadas – restando, como ponto positivo, sua ligação tortuosa com Arthur – revelando um lado mais emocional de Orm.
Ainda que bem amparado por efeitos especiais muito bem criados – os seres marinhos – sejam os que existem, como tubarões e peixes, e outras criaturas fantásticas e gigantes – são muito bem concebidos, assim como discretos efeitos que funcionam muito bem – como o usado para fazer o cabelo dos atores se movimentarem como se estivessem realmente de baixo da água – inclusive, a direção de Wan é ainda eficiente por conseguir conduzir os atores diante de uma pouco inspiradora tela de fundo verde, deixando o elenco mais envolvido com situações que só são inseridas na tela na pós produção – qualidade do diretor que se estende sobre sua mise-en-scene, conduzindo as cenas de ação com planos abertos e claros, mostrando perfeitamente a ação, coisa que Snyder pecou muito em seus filmes. E mesmo que tenha um visual que ainda lembre outros filmes (como Avatar, em certos pontos), o design de produção de Aquaman é belíssimo e colorido, dando boas características para cada uma das várias espécies de seres de Atlântida que aparecem na trama – algo que cai sobre os figurinos também, sendo muito interessante na pele do herói principal, que passa de seu visual um tanto sombrio (que já conhecíamos desde Liga da Justiça) para as cores clássicas do personagem nos quadrinhos – e, isso, sem problema algum – mesmo que uma ou outra máscara de alguns personagens lembrem mais uma festa a fantasia do que proteção de guerreiros.
Bem servido em seu elenco, Aquaman se sustenta até mesmo com a atuação limitada de Jason Momoa – o ator, que muda muito pouco suas expressões, se dá bem aqui justamente pela decisão do diretor em inserir várias piadas durante o longa, mas sem soar irritantes e gratuitas como alguns filmes da Marvel já fizeram – ainda é bom destacar os trabalhos da sempre magnifica Nicole Kidman, que é uma grata surpresa já no inicio do filme, por mostra sua Atlanna de uma forma bastante forte e destemida – a atriz, com mais de 50 anos, quase não precisou de “retoques digitais” para parecer mais jovem, creio eu – e ainda temos William Dafoe com uma serenidade que nos convence muito bem de que ele é o verdadeiro tutor de Arthur – e com a Mera de Amber Heard temos uma personagem curiosa, que ajuda tocar a trama para frente, mesmo envoltos de situações muito previsíveis – para começar apenas, o flerte entre ela e Momoa tem situações do tipo “esbarro sem querer que acaba em troca de olhar apaixonado” – deixando um pouco de lado a questão de que Mera despreza os humanos, justamente por aquelas razões que mencionei sobre Orm, e que Arthur tenta lhe mostrar motivos para não odiá-los.
Enfim, falando sobre previsibilidade e clichês, é justamente nisso que Aquaman mais se enfraquece – em quase duas horas e meia de projeção, o longa tenta esconder personagens – usando até flashbacks durante o segundo ato, que acabam por pausar a narrativa - pistas obvias de uma espécie de caça ao tesouro aos moldes mais simplificados de Indiana Jones ou até mesmo explosões que surgem do nada, como se fossem apenas deixas para não tornar a trama investigativa parada ou apenas para dar um susto (gratuito) no espectador – sendo isso o maior defeito da direção de Wan – um toque de Michael Bay nada bem vindo ao filme.
Mesmo com problemas de ritmo narrativo e altas doses de previsibilidade e clichês em sua trama, esse mais novo longa do universo DC/Warner consegue ser um divertimento eficiente, dando uma esperança de que os próximos filmes da franquia sigam esse estilo, mas tomando decisões melhores para conceber seus roteiros – Aquaman passa bem longa de ser uma tragédia como Esquadrão Suicida, mas ainda não é uma Mulher-Maravilha da Patty Jenkins – ainda assim, ao final, é o melhor que podíamos esperar ser criado para um filme sobre um super-herói que era mais lembrado por conversar com peixes, não é mesmo?