NOÉ
A história bíblica de Noé, em miúdos, é retratada no primeiro livro da Bíblia, o livro de Gênesis. Esse mesmo livro é o que conta a origem do mundo, criado por Deus, que por sua vez criou o homem, na figura de Adão e Eva. Do casal, já amaldiçoado após comer o fruto, veio Caim e Abel. Caim matou Abel e fugiu. Depois veio Sete, o terceiro filho. Daí surgiriam as duas linhagens, uma amaldiçoada pelos erros de Caim e a outra abençoada por Deus. Da linhagem de Sete, chegamos a Noé, filho de Lameque, neto de Matusalém. Noé, alertado por Deus, é instruído em detalhes a construir uma arca, onde abrigará sua esposa, filhos e suas noras e um casal de cada animal da terra. Deus determinou que eliminaria toda a raça humana e demais seres viventes restantes, devido ao pecado que tomou conta de tudo. O meio para fazê-lo seria um dilúvio de 40 dias. Após isso, Noé e sua descendência repovoariam a Terra.
Darren Aronofski (do ótimo Cisne Negro) resolveu estabelecer que a Bíblia é vaga ao explorar a passagem, e se exime em abordar os conflitos humanos. Para isso, como bom hollywoodiano, pintou e bordou com a história, desprovendo-se totalmente do compromisso de fidelizar-se ao Livro Sagrado, e permitindo-se o uso e abuso de licenças poéticas e devaneios para que sua versão tivesse, digamos assim, mais graça.
No ponto de vista do diretor, todo o fato não seria mais espetacular do que a forma como todos os humanos tentaram lidar com tudo isso, milagres, maravilhas e demonstrações de poder Divino.
A fé, seguida do fanatismo, beirando à cegueira mental de Noé e as consequências disso no seio da sua família superam qualquer tentativa de entender como os animais foram atraídos à arca, ou mesmo qualquer outra maravilha mostrada.
Tudo gira em torno do comportamento humano.
Mas para isso funcionar, seria preciso inventar. E talvez aí tenham ido longe demais. Os Guardiões, seres quase mitológicos, são anjos que viram ao mundo com um certo propósito, e ao falharem acabam amaldiçoados e transformados em monstros de pedra. Mal resolvidos com Deus, chamado de Criador o filme todo, deduzem que ajudar Noé na sua jornada é uma chance de se redimir. Além de defendê-lo dos povos de Caim, o ajudam a levantar a Arca.
Falando na Arca, talvez seja a única coisa do filme onde se houve a preocupação de reproduzir com exatidão. O respeito à forma e às medidas são mantidas, apesar de não serem ditas claramente.
O Noé dessa versão recebe não exatamente de um Deus "falante" mas através de sonhos reveladores a notícia de que o mundo vai acabar. Não fica claro como ele deduz sua tarefa muito menos como interpreta quem deve estar na arca. Num certo momento ele simplesmente conta tudo pra família. Diferente da harmonia que a Bíblia sugere, entre seus filhos surgem vários desentendimentos, forçando Noé a revelar um caráter que rompe a linha da obediência severa, atravessando a intolerância, até chegar a total frieza e falta de compaixão, tudo visando não sair do propósito a ele confiado.
Outra idéia diferente é como surgem as noras. Na Bíblia, sem o menor stress, elas apenas estão lá como prometidas a se salvar junto com todos.
Na versão de Aronofski, toda a carga de tensão (extrema até) e emoção não está no dilúvio, nem nos conflitos com o humanos excluídos da Arca, mas sim com a presença da primeira nora, Ila (Emma Watson, numa interpretação surpreendente).
Incluída na família por acaso, resgatada em meio ao terror provocado pelos devastadores, se torna esposa do filho mais velho de Noé e será responsável pelo conflito mais tenso do filme. Tenso ao ponto de nos comover no seu desfecho.
As interpretações de Russell Crowe, como Noé, de Jennifer Connelly como sua esposa Naamé e de Ray Winstone como o vilão Tubal-Caim são importantes para dar o valor devido ao filme.
Anthony Hopkins, como Matusalém, ou avô, para a família de Noé, e determinados objetos usados nos deixam dúvidas quanto ao seu significado na trama..
O uso dos efeitos especiais e do 3D são interessantes e dão um bom diferencial ao filme, exceto, às muitas cenas escuras, como dentro da arca ou de cavernas.
Numa tentativa de querer falar um pouco de cada credo e criar suposições sobre como a maldade humana, "presente em todos nós" interfere nos planos de Deus para a humanidade, Aronofsky traz um filme muito interessante, sombrio, cheio de conflitos tensos e reflexões, assim como também tanta trazer um blockbuster, cheio de efeitos, seres fantasiosos e batalhas épicas. Essa miscelânea sem compromissos gerou polêmicas e até banimentos do filme pelo mundo.
A única coisa que ele não trouxe foi um filme Bíblico. Portanto, quem for ao cinema buscando o filme que ressalta a grandeza de Deus e a adoração a Ele como ser superior, vai se decepcionar um pouco, principalmente quando a frase do trailer "Eu não estou sozinho" proferida por Noé contra seus inimigos for esclarecida.
Mesmo tentando se redimir com uma mensagem final sobre amor, esperança e recomeço, passa longe se ser um filme religioso, mas não deixa de ser imperdível.