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    Turbo
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Turbo

    A vitória dos fracos

    por Bruno Carmelo

    A ideia por trás de Turbo é bastante arriscada. Não é fácil transformar o mundo das corridas automobilísticas em algo palatável para o público infantil (afinal, embora gostem de carros de brinquedo, as crianças não são as maiores fãs das emissões das 500 milhas de Indianápolis), nem mesmo filmar, em proporções visíveis aos olhos humanos, um caracol com poucos centímetros correndo ao lado de veículos imensos. A ideia do caracol veloz parece ser a menor das ousadias desta animação, já que a Dreamworks sempre trabalhou com personagens fracos que se transformam em vencedores, apesar de sua natureza física – o gordo urso panda torna-se um mestre de lutas marciais em Kung Fu Panda, um ogro torna-se amigável apesar de sua índole grotesca em Shrek.

    Nesta trama, Théo/Turbo é um pequeno caracol que sonha em ser veloz. Ele sofre com o deboche dos colegas de profissão (profissão real, já que os animais são sindicalizados, e têm metas a cumprir na colheita de tomates), mas é protegido pelo irmão. Quando passa por uma experiência inesperada dentro de um carro de corrida – uma cena extremamente bem editada, no melhor estilo Velozes & Furiosos -, suas células andam mais rápido, seu coração bate mais forte e Théo se transforma em uma máquina, um pequeno carro tendo a carapaça como acelerador. Assim, ele está pronto para superar todos os outros animais de sua espécie, e afrontar os humanos.

    Turbo representa uma homenagem à autoconfiança, a essa crença de que, quando você realmente quer algo, nada é capaz de detê-lo. Ajuda bastante o fato de estarmos nos Estados Unidos, “terra dos corajosos e livres”, onde o capitalismo e individualismo levam a crer que toda ascensão social é possível – mesmo a transformação de um caracol em líder de corrida. A grande e bem-vinda novidade deste filme é seu contexto social: os principais personagens humanos são seres marginais, abandonados pelo sistema – americanos de origem latina, senhoras de idade, donos de pequenas lojas de bugigangas ou oficinas mecânicas. Talvez esta seja a primeira animação trazendo como pano de fundo a crise econômica americana.

    Outro sinal de modernidade na história vem do papel das mídias sociais e das famílias fragmentadas. Turbo, o caracol veloz, só consegue correr como um piloto profissional porque seu sucesso na Internet é enorme. A montagem relatando a ascensão da popularidade do personagem no YouTube é excelente, e substitui os treinos vertiginosos para que Turbo se torne um bom corredor – cena quase obrigatória em filmes de esporte desde Rocky, um Lutador. Este caracol nunca treina para participar da corrida, o único elemento que o credencia para competir é sua fama. O mesmo vale para o arrogante Guy Gagné, piloto vencedor e vilão da história. Estes personagens só existem porque são vistos, admirados – neste sentido, Turbo é um dos raros filmes que ousa refletir sobre o papel da própria mídia. Também não existem pais nem mães nesta história que resume todos os laços familiares aos irmãos, e evita o moralismo no estilo “ame ao próximo”. Sem nenhuma hipocrisia, o filme prefere o “ame a si mesmo”.

    Se Turbo já impressiona por sua ideologia moderna, sua escolha de imagens é ainda mais admirável. Fazendo um excelente uso do 3D, a animação transforma as cenas de corrida em momentos empolgantes, com imagens aceleradas, montagem ritmada, planos aéreos e diversos malabarismos com a câmera – algo que não seria possível na transmissão real de uma corrida. A animação usa todas as possibilidades digitais para voar pelos ares, acompanhar os carros rolando pelo asfalto ou passar por baixo dos veículos, acompanhando Turbo. A corrida imaginária do protagonista atrás de um tomate faz um uso de cores e imagens abstratas que lembra os momentos mais oníricos de Fantasia, da Disney. Já a trilha moderna (com rap, hip hop) e os complexos efeitos sonoros fazem com que este seja um filme de corrida realmente emocionante, tanto para os adultos que gostam de acompanhar belas manobras, quanto para os pequenos, que simplesmente buscam imagens coloridas em movimento.

    Em comparação com outros títulos infantis em cartaz, este traz uma carga baixa de piadas físicas, escatologia e trocadilhos. O humor é mais adulto, menos desesperado para fazer rir a qualquer custo. A comicidade surge da própria história, com suas improbabilidades (um caracol que corre contra humanos, um vendedor de tacos fracassado que se torna um fenômeno). Paralelamente, Turbo oferece um potencial emotivo limitado, embora a superação do personagem possa comover alguns espectadores. Para quem espera do cinema uma catarse – muito riso, muito choro, muita emoção – Turbo proporcionará uma experiência apenas mediana.

    Por ser quase inteiramente focado em motores e competições mecânicas, é difícil imaginar que Turbo conquiste o interesse das pequenas garotas. Talvez ele seja para a Dreamworks o equivalente de Carros na Pixar: um filme de bilheteria modesta, mas com imenso potencial de venda pós-filme (ou seja, venda de bonecos, mochilas e produtos derivados). Turbo tem o mérito de ser uma animação inteligente, que não faz concessões para agradar a todos os públicos, além de ter um visual espetacular e uma direção muito competente. Infelizmente, estas escolhas ousadas podem justamente limitar o potencial de público do filme.

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