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    It - A Coisa
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    It - A Coisa

    A soma de todos os medos

    por Bruno Carmelo

    O primeiro filme da nova franquia It - A Coisa precisa pôr em prática uma quantidade imensa de tarefas. A trama de terror deve apresentar a personalidade de sete crianças diferentes, cada uma com uma relação familiar e um conjunto de medos muito específicos. Também é necessário desenvolver o assustador palhaço Pennywise, capaz de mudar de aparência e modo de ataques, além de justificar o histórico de desaparecimentos na cidade de Derry, detalhar a apatia dos adultos sobre a questão, criar o contexto de bullying na escola, trabalhar relacionamentos amorosos e ainda desenvolver um buddy movie eficiente.

    Diante dos desafios, é impressionante como o resultado cumpre esses objetivos com tranquilidade. O diretor Andrés Muschietti criou uma montanha-russa de gêneros muito bem articulados: as cenas de terror são criativas e intensas, enquanto as cenas de comédia despertam gargalhadas, e os momentos do Clube dos Otários funcionam como um excelente filme adolescente, como não se via, de fato, desde os anos 1980. O cineasta brinca habilmente com os nervos do público: logo após uma tirada engraçada, um momento aterrorizante aparece de surpresa; no final de um episódio sangrento, um dos garotos lança uma frase cômica para desestabilizar o espectador.

    Esta adaptação da obra clássica de Stephen King segue por rumos inesperados, mesmo para quem conhece os conflitos da história. It - A Coisa ora trabalha com cenas explícitas, ora prefere a sugestão; em alguns momentos, soa bastante realista (a agressão a Ben), para depois investir puramente na fantasia (a casa abandonada). A transição torna-se possível pela configuração particular do vilão. Devido à capacidade de adquirir a “aparência dos maiores medos” de suas vítimas, ele soa fantasista, irreal, mas seus dentes e suas garras ferem de modo palpável. A “coisa” combina o funcionamento de um fantasma e de um assassino em série, com resultados potentes.

    “Eu não sou real o suficiente para você?”, o palhaço grita em determinada cena, em tom de ameaça. Quer algo mais real que os nossos pesadelos? Pennywise é perverso, contentando-se na maioria das vezes em deixar seus alvos em pavor constante ao invés de matá-los – por definição, ele poderia ser considerado um terrorista. Este é um personagem imprevisível, multifacetado, e muito bem interpretado por Bill Skarsgaard, numa combinação de sedução e loucura, algo ideal para se comunicar com crianças entediadas de uma pequena cidade interiorana.

    Muschietti contribui para o sombrio realismo ao apresentar cenas chocantes de violência infantil, bem fortes para os padrões hollywoodianos. “Isso é real o suficiente para você?”, parece dizer também o cineasta, em coro com seu personagem. Ao mesmo tempo, o diretor diminui os exageros de seu filme anterior, Mama (2013), e cria uma série de cenas muito elegantes, explorando a potência das câmeras subjetivas e do espaço fora do enquadramento. Momentos no banheiro de Beverly (Sophia Lillis) ou uma briga perto do poço são editadas com máxima expressividade, sem revelar mais do que o necessário. Apenas os efeitos sonoros incomodam, eventualmente, pela construção artificial da tensão.

    O elenco foi muito bem escolhido e dirigido. Este grupo de minorias – um gordo, um negro, um judeu, um garoto sempre doente, uma garota sexualmente ativa – se ajuda mutuamente, sem ser tratado como vítimas pelo roteiro. Finn Wolfhard é explorado como alívio cômico, quase excessivamente, enquanto Jaeden Lieberher encarrega-se de um drama discreto e eficaz. Talvez a melhor surpresa seja Sophia Lillis, a única garota do grupo, capaz de transmitir uma notável gama de sentimentos dentro de uma mesma cena, apenas com a força do olhar.

    Para completar o cenário, It - A Coisa constrói com maestria a atmosfera dos anos 1980 numa pequena cidade de classe média-baixa americana. Sem o saudosismo de séries como Stranger Things, que acumulam referências e citações, o filme apresenta o espectador a cenários e figurinos verossímeis, mas que não chamam tamanha atenção a si mesmos. O uso de música da época é comedido, já que o foco de Muschiette encontra-se na representação dos abusos e da falta de perspectivas na cidade de Derry.

    Por isso, os pais das crianças tornam-se figuras tão assustadoras quanto o palhaço, convergindo na representação do perigo da passagem à fase adulta. O medo das crianças pelo palhaço se une aos medos diários de bullying, racismo, estupro, intolerância religiosa e outras agressões bem retratadas na história. Pennywise sintetiza a ideia de que o mundo é incorrigivelmente hostil. Por isso, os amigos só têm chances de sobrevivência caso permaneçam unidos – uma mensagem simples, porém mais subversiva neste cenário socioeconômico do que as tradicionais lições de amor à família ou amor romântico.

    It - A Coisa é um filme que exige sacrifícios de personagens, de crenças no futuro, de idealizações sobre pais e instituições - todos falhos ou ausentes nesta história. O imaginário de que “qualquer um pode ser feliz caso se esforce de verdade” é brutalmente destruído pelas perspectivas cinzentas do roteiro. Os adultos já se perderam, e talvez não tenham solução. Cabe aos pré-adolescentes, que retornam em 2018 na sequência do filme, trazer alguma mudança estrutural ao cenário. Enquanto isso, precisam combater a representação máxima do perigo adulto, Pennywise, o palhaço dançante, capaz de aparecer num programa de televisão, na voz de uma doce apresentadora infantil, incentivando jovens a assassinarem brutalmente seus próprios pais.  

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    Comentários

    • Lord
      A comédia eu achei fantástica e tmb passou um certo medo então pra mim ótimo
    • Ludovico
      Pelo seu texto, nota-se que é um engenheiro e matemático que carece de educação!
    • EMERSON
      Não tenho palavras para dizer como achei esse filme ruim. Me assusta toda esse repercussão com uma película tão pasteurizada, sem graça e sem sentido, historia fraca, vilão fraco. Enfim, desperdicei 2 horas da minha vida com essa coisa.
    • Andy
      Muitooooo bommmmmm, muito Pennywise muito bem interpretado por Bill Skarsgard que só tem apenas 28 anos de idade, mano muito 10 esse remake, merecido a nota da critica e faturou mais de Meio Bilhão, que a sequência seja tão boa quanto a primeira, pois o elenco adulto são atores renomados e caros em Hollywood.....Tomare que supere as expectativas e seja um outro sucesso de bilheteria!!!!
    • Jefferson R
      esse filme é pra criança, não da medo algum, o suspense é horrivel, é um filme mediano de sessão da tarde, assisti e achei engraçado.
    • Mark
      Obviamente não leu, esse é o tipo intelectual que só lê os Clássicos e gosta de subjugar as demais literaturas, ou seja, mal passa de um pseudo-intelectual de internet que, em última instância, sequer leu os livros citados por ele.
    • Patrick Moreira Leonardo
      Primeiro, não é um remake. Sempre deixaram claro que era uma NOVA ADAPTAÇÃO do livro. Segundo, só foi pro cinema esperando um terrorzão quem não conhece a história ou até mesmo não conhece o universo de Stephen King, que não se baseia em terror, mas em horror, em repulsa. Então, por favor, o filme pode não agradar todo mundo, mas isso não quer dizer que seja ruim.
    • Marcio A.
      Nem sempre concordo com as críticas aqui.... assim como não concordo com muita crítica especializada. As vezes concordo com as dos leitores.... as vezes não. Mas confesso que não entendo o porque insultar as pessoas por não concordar com a sua opinião. É muito mais produtivo dizer o que pensa, discordar com classe sem ferir ninguém. Não desmerecer o outro por ser diferente. Acho isso maduro, digno. Mas enfim ... falando do filme.... comparando com o original este é muito melhor. Acho que o primeiro, só valeu pela primeira metade que é sensacional, só que a segunda metade do filme é enfadonha, sem nenhuma agilidade.. além de ter uma hora e pouca a mais que o remake. It a coisa, é um filme muito interessante, com cenas de terror cercadas de criatividade, cumprindo de forma crescente a expectativa de quem assiste. A amizade dos personagens mirins lembra bastante um outro filme baseado na obra de King: conta comigo, e as aparições do Palhaço são assustadoramente impactantes. Não consegui com a minha lupa de criticidade enxergar equívocos, só acertos. Trilha, direção de atores mirins, roteiro adaptado e clímax. Um filmaço!
    • Junior
      IT foi um bom filme, mas poderia ter sido bem melhor do que isso, acho que faltou ousadia, gore, terror, faltou Pennywise e sobrou draminha de criancinhas.
    • Daryl O'rily
      Que pena! Perderam a chance de fazer um filmaço suspense/terror pois optaram por fazer uma cópia de Os Goonies... (esqueceram de uma nova música da Cindy Lauper e um oriental para compor o grupo de crianças mas não esqueceram do gordinho e nem do asmático!...)
    • tarmadillo
      Filmaço! Temos que entender que se trata de um filme infantil para adultos. Não é um terror e sim um suspense onde o ambiente e todo o cenário gira em torno de Pennywise, se tratando de um criatura sem explicação onde sua influência abrange toda a cidade.História, direção, escolha de atores e roteiro sensacionais. Gostaria de entender um pouco mais as regras desse vilão, mas as vezes é isso que enfraquece como antagonista (veja os monstros ilógicos de lovecraft).Excelente crítica, da qual compactuo.
    • Maria Cordovil
      Não gostei... simplesmente não gostei.
    • Crítico 🌀
      Filme bom para assistir na sessão da tarde com a família. Sinceramente espero que a continuação seja melhor...
    • vanessa
      Ate tentei ver mas dormi depois de 1H de filme, esperava mais!!!
    • Charles
      Que tipo de filme de terror da medo?
    • Charles
      Acho que você não sabe o significado da palavra trash.
    • Charles
      Ae. Filhas quebrando pescoço do pai. Monstro mordendo cara de criança, é um monte de outros coisas que não a necessidade de ficar citando qui....tudo coisa teen.
    • Paulo
      Mas você não está respeitando a individualidade do crítico de cinema! É óbvio, mas a opinião do crítico é a opinião do crítico. Por que acha que a opinião do crítico deveria ser a sua opinião? Saiba respeitar a individualidade de cada um... que piada...
    • Fórmula Finesse
      rsrsrsr - que salada! Mas sim, é importante manter-se eclético e - principalmente - receptível à novas informações. Parafraseando o que se diz de leitura, o homem que lê (ou que têm muitos interesses) vive muitas vidas, enquanto a criatura que não lê (que se mantém engessada) vive apenas uma.Matrix é sensacional sim, genial! E se fores pensar em termos tão heterodoxos, o céu - ou a imaginação - é o limite. Talvez o mundo não existia antes do teu próprio nascimento, e só começou a movimentar-se depois que abristes os olhos (quem nunca brincou com essa possibilidade, em seu particular?).Sou deísta e com forte simpatia por alguns elementos do espiritismo, visto que já tive uma prova fenomenológica bem forte que à luz da razão ainda não pode ser explicada.Mas espiritismo não é religião, Jesus não fundou uma religião, religião é um mero mecanismo de controle de poder.Para muita gente faz bem, para outros faz mal - como cada um têm sua própria percepção de felicidade e de bem estar - desde que esses movimentos, gostos e inclinações não interfiram de modo negativo em quem têm outro tipo de pendor, cabe apenas respeitar.P.s: Jaws é um belo livro.
    • Rom Ritz
      Como já disse, li Jaws (Tubarão) de Benchley lá na adolescência, e outros livros de ficção que não sei se foram às telas, mas não é prioridade hoje. Da mesma forma não curto comédia e já assisti várias, neste fim de semana fiz uma maratona Um Tira da pesada e 48h, revi os 5 filmes. Transito entre Autópsia de Jane Doe/Invocação do mal, Matrix/StarWars para Spiderman/Superman, Bergman/Almodovar/W.Allen, etc. Não sou nada inflexível em filmes, até curto debater o valor como hipótese, ateu e cientista que sou, de teorias conspiracionistas deus=Força, mundo=Matrix, Covenant com engenheiros construtores de humanos, e outras coisas que saem dos filmes por empolgação dos fãs e viram pseudociência. Aliás, do que conheço de física, matemática, engenharia, computação e religiões (e leio muito sobre antropologia e história religiosa), Matrix dá um banho de bola nas religiões convencionais, é uma hipótese que ao menos satisfaz um princípio lógico que toda hipótese que tenha pretensões de ser mais que hipótese deve ter: o princípio da falseabilidade. Apanha da ciência, mas não foge da briga, se expõe à refutação, como as hipóteses religiosas não fazem.
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