Roberto O.
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4,5
Enviada em 7 de março de 2017
Sangue e lágrimas na busca por uma paz que não existe.

Um forasteiro que carrega consigo um passado nebuloso e repleto de lembranças das quais gostaria de poder esquecer. Cansado da violência que parece persegui-lo onde quer que vá, ele encontra, enfim, um pequeno refrigério na companhia de pessoas amáveis que acaba de conhecer. Mas a paz não dura muito tempo e logo ele se vê envolvido em uma nova contenda, cujas consequências poderão ser ...dolorosas. As linhas acima fazem uma breve descrição do enredo de Shane, clássico faroeste de 1953 que no Brasil recebeu, convenientemente, o título de Os Brutos Também Amam. Não por acaso, esta foi a obra escolhida pelo diretor e co-roteirista James Mangold para ser exibida na tela da TV do quarto de hotel enquanto Charles Xavier e a menina “muito parecida com Wolverine” lá estão, descansando por algumas horas, entre uma perseguição e outra. Shane e Logan têm mesmo várias semelhanças.

Muito tempo já se passou desde aquele evento cataclísmico envolvendo os alunos do Professor X cujo desfecho se deu na Estátua da Liberdade, que presenciamos em X-Men, longa que inaugurou a bem-sucedida franquia mutante no cinema, no ano 2000, e que abriu as portas para a atual onda de filmes de super-heróis. O velho Wolverine já não é mais o mesmo, não tem o vigor físico de antes, uma de suas garras parece ter maior dificuldade em sair, seu fator de cura está mais demorado, até sua vista está afetada, seus olhos avermelhados necessitam de óculos para conseguirem ler. Alguns itens de sua personalidade, contudo, permanecem inalterados. O primeiro é a solidão auto imposta, consequência de tantas perdas do passado. Neste futuro próximo em que a história se passa, 2029, os mutantes já estão quase extintos, e Logan, com a ajuda de Caliban (Stephen Merchant), estão cuidando do Professor Xavier. Para poder comprar as medicações de que o telepata nonagenário necessita, o Wolverine trabalha como motorista de uma limousine, e se esforça para não chamar a atenção. O que nos leva ao outro aspecto inalterado do personagem. Quando ele é descoberto pelos Carniceiros, liderados por Donald Pierce (Boyd Holbrook), em virtude da menina que passa a proteger, o que vem à tona é a sua velha fúria incontrolável, e desta vez, para maiores de 18 anos, o que proporciona ao expectador a visão do uso das afiadas garras de adamantium de uma maneira muito mais visceral, até então nunca antes vista na telona, com cortes, furos, rasgos, dilacerações, cabeças rolando e muito, muito sangue.

Em contraponto ao sangue, estão as lágrimas. A maior parte da campanha de divulgação deste novo filme girou em torno da despedida de Hugh Jackman do papel que interpretou durante 17 anos e que fez dele um astro. Nada mais justo. Uma outra despedida, no entanto, também merece destaque, a de Patrick Stewart no papel do Professor Xavier. Jackman e Stuart parecem ter caprichado ainda mais em seus papéis neste longa, que marca o fim de um ciclo para ambos. Retomando o paralelo com Shane, o que James Mangold (que também dirigiu Wolverine: Imortal) fez em Logan foi um western moderno, um belíssimo road movie pelas muito bem fotografadas estradas desérticas e empoeiradas do Oeste Americano, um filme que, a despeito de suas fortes e sanguinárias cenas de ação – do jeito que o seu público queria – resgatou também aquele velho sentimento do ser humano que, cansado das lutas da vida, só quer paz. Patrick Stewart em sua derradeira aparição como Charles Xavier traz alma à história, na forma como, fragilizado pela idade, almeja por amparo ao mesmo tempo em que se mostra solidário ao próximo. É de partir o coração. E quando Xavier, Logan e Laura (também conhecida pelos fãs como X-23) são acolhidos por aquela família no segundo ato do longa, o histórico de famílias que ajudam heróis nos fazem temer por suas vidas, pois, como expectadores, sabemos que aquilo não vai acabar bem. Enquanto Xavier denuncia em suas expressões o desejo de que tudo fosse diferente e de que o mundo em que vive fosse mais tolerante, fica difícil não se comover. Percebe-se esse sentimento até mesmo no riso sutil de Logan sentado à mesa de jantar com a tal família. Os brutos também amam, e Wolverine perdeu quase todos que amou no decorrer dos anos, tendo se tornado um pária, um fugitivo errante em busca de uma paz que, para ele, parece não existir.

Levemente inspirado também pela HQ Velho Logan, escrita por Mark Millar e lançada em 2009 (e que também bebe da fonte de Shane), este filme de despedidas capricha na iconografia do personagem Wolverine como aquele herói extremamente agressivo dos quadrinhos que seus fãs conhecem tão bem. E a pequena Laura, vivida por Dafne Keen, atualmente com 12 anos, traz o contraponto ideal ao esgotamento físico do herói enfurecido, porém envelhecido. Enquanto ele se mostra por várias vezes visivelmente abatido, além de ferido, ela, com toda a sua energia infantil, não dá trégua a quem quer que esteja em seu caminho, chegando, inclusive, a defender seu “mentor” em alguns momentos. Enquanto assistia, confesso que fiquei imaginando os bastidores da produção. Como devem ter sido feitas essas filmagens? Como essa menina conseguiu fazer cenas tão tensas, nervosas e sangrentas? Talvez o DVD e o Blu-ray nos tragam essas respostas.

Por hora, com o que vemos neste longa de Logan, é fácil constatar que James Mangold e Hugh Jackman deram o tiro certeiro (ou afiaram a garra certa) ao conseguirem convencer a Fox – motivada pelo sucesso inesperado de Deadpool – a dar carta branca para que eles realizassem a produção da maneira que quisessem. Para maiores de 18 anos, sem grandes preocupações com a continuidade em relação aos demais “episódios” da franquia, valorizando mais o lado humano do Logan e fugindo do estereótipo “super-heróico” do Wolverine, sem conversão desnecessária para 3D, sem cena pós-créditos (a propósito, alguém viu Stan Lee neste filme?), abrindo mão da ficção científica para investir em uma história mais séria e dramática, à moda antiga, sem exageros pirotécnicos, e com a dose de violência que os fãs do Wolverine sempre quiseram ver no cinema. E as curiosas cenas de Logan segurando gibis dos X-Men e lidando com o fato de que é visto como um “super-herói”, enquanto afirma que aquelas histórias não aconteceram daquele jeito, é muito mais do que um exercício de metalinguagem, é uma honrosa homenagem ao lugar onde todo esse sucesso começou: as páginas dos quadrinhos.

Desde o início da franquia “X” no cinema, em 2000, até agora, entre os mutantes principais que aparecem nas duas trilogias que se passam em linhas temporais distintas, apenas Wolverine foi interpretado pelo mesmo ator. Além de X-Men: Primeira Classe, X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido e X-Men: Apocalipse, os lançamentos de X-Men Origens: Wolverine, Wolverine: Imortal e Deadpool só evidenciaram essa estatística. Em meio a tantas trocas de atores, o Logan de Hugh Jackman se manteve único em todo esse tempo. Aliás, nenhum outro super-herói de quadrinhos foi vivido no cinema pelo mesmo ator continuamente durante tantos anos. Christopher Reeve viveu o Superman em quatro longas, entre 1978 e 1987. Robert Downey Jr., que vestiu a armadura do Homem de Ferro pela primeira vez em 2008, na produção que inaugurou a franquia Marvel na telona, também já está há dez anos no papel. Hugh Jackman, que foi o Wolverine por 17 anos (quase 18) em nove filmes é, portanto, o detentor incontestável desse recorde. E sua despedida do personagem é, de fato, digna e marcante. Um ciclo se fecha. Um encerramento com chave de ouro (ou devo dizer, de adamantium)!

Assim como Shane possui algumas falas memoráveis – que em dado momento de Logan são repetidas por certa personagem – uma fala do mutante mais famoso dos quadrinhos e do cinema poderá, talvez, se tornar igualmente icônica, neste mundo real e cruel que traça paralelos com as perseguições aos mutantes, um mundo de intolerância em que governantes falam em erguer muros nas fronteiras ou barrar a entrada de refugiados de guerra. A mensagem de resistência que Logan nos deixa é: “Não seja aquilo que te fizeram.”