A revista Time Megazine elegeu as pessoas que "quebraram o silêncio" contra o assédio sexual as personalidades do ano. A seleção foi realizada em um ano em que Hollywood foi chacoalhada por denúncias de estupro, assédio e má conduta sexual cometidas por figurões até então vistos como inabaláveis. Um dos casos mais notáveis foi o do infame produtor Harvey Weinstein, acusado de ter cometido abusos por mais de 40 mulheres após uma torrente de denúncias contra ele vir à tona depois de uma matéria do jornal The New York Times.
"Em 2017, mais uma vez, os editores da Time perceberam que não foi uma única pessoa que acendeu a fagulha de mudança cultural que definiu o ano", justificaram os editores da revista. A capa da edição especial trouxe figuras como Taylor Swift, que levou um caso de assédio para os tribunais neste ano, e Ashley Judd, uma das vítimas de Weinstein, na capa. "Isso é parte do que faz essa mudança ser tão poderosa. Se o silêncio tivesse sido quebrado por apenas uma voz, o mundo poderia ter ignorado. Mas juntas, centenas de pessoas que ousaram falar começaram um movimento que moldou 2017 — e não mostra nenhum sinal de que vai parar."
Desde 1927, a Time elege uma (ou algumas) pessoa (ou pessoas) cuja ação moldou o ano para o "bem ou para o mal". No ano passado, o magnata Donald Trump, então presidente eleito dos Estados Unidos, foi a escolha dos editores. O político já foi acusado de assédio sexual por mais de 20 mulheres, segundo a Time. "Eu tenho dúvidas reais se nós estaríamos passando por isso se Hillary Clinton tivesse vencido porque eu acho que a eleição do presidente Trump foi, de diversas maneiras, um passo atrás para as mulheres", avaliou a jornalista Megyn Kelly, que foi alvo das ofensas do político durante a campanha do bilionário e ex-apresentador de reality shows para a Casa Branca.
A matéria de capa da Time escutou, entre famosas e cidadãs comuns, atrizes como as atrizes Rose McGowan e Ashley Judd, duas das primeiras mulheres que denunciaram Weinstein para o The New York Times, e Selma Blair, uma das 300 mulheres que acusaram o diretor James Toback de assédio. "O que eu faço com meu trabalho é dar às mulheres a permissão para ter raiva. Porque é nosso direito. Porque é uma emoção. Porque foi algo tirado de nós. Porque nós fomos silenciadas. Eu não estou interessada em normas culturais. Não quero saber se vou deixar as pessoas desconfortáveis. Eu estou interessada nas mulheres e crianças que estão morrendo por conta da cultura do estupro", comentou McGowan, que relatou ter sido estuprada por Weinstein em 1997.
"Esse acerto de contas parece ter surgido do dia para a noite, mas isso vem fervilhando há anos, décadas, séculos. Mulheres enfrentam isso com chefes e colegas de trabalho que ultrapassam os limites ou parecem nem saber que os limites existem. Elas enfrentaram isso com medo de sofrer retaliações, serem colocadas na lista negra ou serem demitidas de um emprego que elas não podem perder. Elas enfrentaram isso tendo que relevar. Elas enfrentaram homens que usam seu poder para conseguir o que querem com mulheres. Essas mulheres que quebraram o silêncio começaram uma revolução da recusa, reunindo forças. Apenas nos últimos dois meses, a raiva coletiva delas teve resultados imediatos e chocantes: Quase todos os dias desde então CEOs são demitidos, magnatas são derrubados, ícones encontram a desgraça. Em alguns casos, acusações criminais surgiram", diz o texto da Time que justifica a escolha das personalidades do ano.
A matéria ainda menciona o movimento #MeToo (ou "eu também"), que levou milhões de mulheres a compartilharem casos de assédio nas redes sociais. Iniciado pela ativista Tarana Burke, o movimento ganhou novo fôlego quando a atriz Alyssa Milano pediu que mulheres respondessem um tweet dela com as duas singelas palavras que escondem anos de vergonha e silêncio. "Isso me afetou de uma forma profunda. Eu não sei se serei a mesma. Eu ainda não parei de chorar. Eu olho para a minha filha e peço para que isso valha a pena para que minha filha nunca passe por isso."
Entre dezenas de depoimentos de mulheres, a Time escutou e fotografou o ator Terry Crews, que contou ter sido apalpado na frente de sua esposa por um agente. "Eu estou aqui para dizer que não é sua culpa. O que aconteceu comigo foi um grande exemplo. As pessoas me diziam, 'Você deveria ter batido nele'. Eu penso, 'Por que ninguém está questionando ele?'. Ninguém questiona o predador", conta. "Os homens precisam responsabilizar os outros homens. Você precisa se responsabilizar pelas coisas que você diz, pelas coisas que você faz."
Capa da revista Time com Ashley Judd, Susan Fowler, Adama Iwu, Taylor Swift e Isabel Pascual* (nome fictício).
Rose McGowan: "As pessoas esquecem que existe um ser humano [a vítima] por trás disso. Alguém que foi muito machucada e injustiçada. Mas tudo bem. Isso só me dá mais combustível. Eles realmente mexeram com a pessoa errada."
Ashley Judd: "Eu comecei a falar sobre Harvey [Weinstein] no minuto seguinte [ao caso de assédio sofrido pela atriz]. Literalmente. Eu saí daquele quarto do Peninsula Hotel em 1997 e encontrei o meu pai, que estava esperando por mim no lobby. Ele conseguiu notar pela expressão no meu rosto — e eu uso as palavras dele — que algo devastador tinha acontecido comigo. Eu contei para ele. Para todos."
Selma Blair: "Eu realmente acreditei por quase 20 anos que ele [James Toback, diretor acusado de assédio por mais de 300 mulheres] iria me matar.
Taylor Swift: "Naquele momento eu decidi abandonar qualquer formalidade no tribunal e responder às perguntas dizendo exatamente o que aconteceu. Aquele homem não teve formalidade alguma quando me atacou... Por que eu devo ser delicada?"
Terry Crews: "Os homens precisam responsabilizar os outros homens. Você precisa se responsabilizar pelas coisas que você diz, pelas coisas que você faz.