A Netflix, vez ou outra, consegue surpreender o público com produções que chegam sem alarde e acabam se destacando em meio ao mar de lançamentos semanais. Indomável é um desses casos. Criada por Mark L. Smith — roteirista de O Regresso e do recente Twisters (2024) — a série marca também o retorno de Eric Bana a um papel de destaque, depois de um período mais discreto na carreira. Ao lado de um elenco competente e de uma proposta envolvente, a produção entrega um thriller policial que sabe trabalhar a tensão no silêncio, conduzindo a curiosidade do espectador com habilidade.
Apesar de alguns tropeços, especialmente na reta final, Indomável mantém um ritmo seguro e uma duração enxuta, evitando a sensação de enrolação que afeta tantas séries do gênero. Aqui, o caso inicial — a queda de uma jovem de um penhasco, aparentemente um acidente — serve apenas como porta de entrada para uma trama mais ampla, na qual as primeiras respostas demoram a aparecer. Essa escolha pode frustrar quem busca ação imediata, mas funciona para estabelecer personagens, relações e o próprio clima da história.
E clima é algo que a série constrói muito bem. Ambientada em um parque nacional, a narrativa se beneficia das paisagens rurais e deslumbrantes, que não apenas encantam visualmente, mas também intensificam o mistério. O cenário aberto contrasta com a claustrofobia emocional dos protagonistas, criando um jogo interessante entre o vasto e o íntimo.
O personagem de Eric Bana, Kyle, é o centro emocional da série. Sua atuação, contida e precisa, carrega um peso que instiga o público a querer compreender suas feridas. Não é um desempenho que se apoia em explosões emocionais, mas na sutileza — o tipo de interpretação que cresce à medida que conhecemos mais sobre o passado dele. Ao lado de Bana, Lily Santiago, como a novata guarda-florestal Naya Vasquez, entrega uma performance que equilibra inexperiência, otimismo e um histórico pessoal igualmente sombrio. A química entre os dois funciona, pois suas diferenças complementam a narrativa: ele, retraído e marcado por traumas; ela, determinada, mas ainda descobrindo seu lugar. Sam Neill completa o trio de destaques, interpretando um veterano experiente que serve de apoio para Kyle sem roubar a cena.
A força de Indomável está no modo como costura suas tramas paralelas. Além do caso principal, há o tráfico na região, o drama familiar de Kyle e um subenredo ligado a Vasquez, ainda que este último receba menos desenvolvimento. Essa multiplicidade de linhas narrativas, no entanto, é onde mora uma contradição da série: se por um lado amplia a sensação de complexidade, por outro dilui o impacto de algumas revelações. Certas reviravoltas chegam com força, como no desfecho do arco familiar de Kyle, mas outras acabam previsíveis e sem o peso dramático que poderiam ter.
O início da série é exemplar no trabalho de criar enigmas e segurar respostas. Porém, quando chega a hora de desvendá-los, o roteiro prefere caminhos seguros. É como se a narrativa, depois de preparar terreno para um clímax ousado, recuasse para entregar o esperado — o que não é ruim em si, mas quebra a expectativa criada. Esse contraste é sentido especialmente por quem se deixa levar pelo mistério até a metade da temporada, esperando um golpe final mais surpreendente.
Ainda assim, a série não desaba no final. O desfecho faz sentido dentro da proposta e entrega uma mensagem emocionalmente forte através de Kyle. O problema é mais a falta de impacto de alguns arcos secundários, que poderiam ter sido desenvolvidos com maior ousadia.
No fim, Indomável se revela uma das boas surpresas recentes da Netflix, equilibrando suspense, ambientação marcante e personagens bem trabalhados. É uma obra que conquista mais pela jornada do que pelo destino final. Para quem gosta de thrillers policiais com paisagens de tirar o fôlego, reviravoltas moderadas e um foco maior nos protagonistas do que nas explosões de ação, vale a visita ao parque nacional onde essa trama se desenrola.