A série Boots, atualmente disponível na Netflix, aborda uma questão que, na verdade, não é mais uma questão nos EUA já que pessoas abertamente gays podem se alistar e servir nas forças armadas americanas desde 2011 (a história se passa em 1990). O mais interessante na série para mim não é. porém, o tema central (gays nas forças armadas e, em particular neste caso, no corpo dos fuzileiros navais), mas sim o processo de treinamento militar em si, ou seja, como eles pegam um garoto de 18 anos, "reprogramam-no" através de um processo literal de lavagem cerebral e o transformam em uma máquina para matar em série (sob ordens e dentro da lei).
Um soldado de infantaria, em uma situação de combate, tem que puxar o gatilho e atirar, sem hesitação, medo, ou remorso, inclusive a curta distância. Claramente, na série, o treinamento dos fuzileiros visa a remover a individualidade do recruta, substituindo-a pela identidade coletiva do grupo (a identidade do "guerreiro"), dessensibilizar o recruta em relação ao ato de matar e à violência física em geral, e condicioná-lo a obedecer a ordens sem questionamento.. Uma particular cena, na verdade dividida em dois momentos, na qual os recrutas recitam o "Rifleman's Creed" do corpo de fuzileiros navais, originalmente escrito durante a Segunda Guerra Mundial, é especialmente forte. Mais impactante ainda é uma cena em um ponto especialmente profundo emocionalmente na série em que os recrutas respondem com um grito de "God, Country, Corps, Kill" particularmente assustador. Chama atenção ainda a doutrinação religiosa de caráter confessional em um país, os EUA, na qual a constituição federal supostamente proíbe o estabelecimento de uma religião oficial do Estado.
De resto, a série tem realmente excelentes atuações de Miles Heizer como Cameron ("Cam") Cope, do britânico Max Parker como o sargento Liam Robert Sullivan, e de Liam Oh como Ray McAffey, Destacam-se também personagens coadjuvantes como Santos, Nash, Ochoa, Slovacek, Bowman e Hicks, que ilustram bem o perfil e a diversidade dos recrutas na forças armadas voluntárias dos Estados Unidos. O roteiro consegue ser tanto leve (quase cômico às vezes) e dramático quando necessário, e há uma excelente evolução dos personagens com destaque para o amadurecimento de Cameron contrastado com a queda de Sullivan, que se vê na situação difícil de perder o que é mais importante na sua vida (ser um fuzileiro) porque isso era considerado incompatível com sua orientação sexual.
Em resumo., a ´série não é perfeita, mas eu definitivamente a recomendaria para assinantes da plataforma (Nota 4/5).