Nem sempre uma série precisa de explosões e reviravoltas a cada minuto para prender o público. Às vezes, o verdadeiro impacto está no silêncio, no peso das escolhas e na tensão que se constrói a cada olhar. Black Rabbit, nova minissérie da Netflix estrelada por Jude Law e Jason Bateman, aposta justamente nisso: um thriller urbano que se equilibra entre o drama familiar e a pressão do submundo do crime em Nova York. O resultado, no entanto, divide opiniões.
Logo de início, o grande problema da série já se revela: seu primeiro episódio. O capítulo de abertura deveria ser o gancho capaz de fisgar a atenção do público, mas aqui acaba sendo o mais arrastado da temporada. Essa demora em engrenar contribuiu para que muita gente desistisse antes mesmo de conhecer a verdadeira força da narrativa. É uma escolha arriscada, que explica em parte porque a produção não alcançou o mesmo impacto de outros originais da plataforma. Mas para aqueles que resistem, Black Rabbit recompensa com uma trama que vai ganhando corpo, revelando um thriller intimista, sombrio e gradualmente envolvente.
A série marca o retorno de Jason Bateman à Netflix depois do fenômeno Ozark, e é impossível não perceber ecos da produção anterior. O clima pesado, os tons sombrios, a tensão crescente em torno de personagens que se afundam em segredos – tudo remete ao universo da série de 2017. A própria direção traz nomes ligados a Ozark, como Ben Semanoff e até Laura Linney, que assume dois episódios. Isso dá à trama uma identidade visual e narrativa familiar, com aquela paleta esverdeada que parece impregnar cada cena, evitando cores vivas para reforçar a atmosfera sufocante.
No centro da história estão os irmãos Jake (Jude Law) e Vince Friedkin (Jason Bateman). Jake é o dono de um dos restaurantes mais badalados de Nova York, vivendo seu auge profissional e planejando expandir o negócio. Já Vince é o oposto: instável, marcado por vícios e dívidas com uma gangue local. Quando ele reaparece pedindo ajuda, os dois mergulham em uma espiral de conflitos que mistura ameaças de criminosos, memórias mal resolvidas e mágoas familiares.
É nesse ponto que Black Rabbit se diferencia de tantos thrillers genéricos. O roteiro de Zach Baylin (indicado ao Oscar por King Richard) e Kate Susman não tenta apontar quem é o “irmão bom” e quem é o “irmão mau”. Ambos carregam falhas, escolhas moralmente questionáveis e uma carga de segredos que afasta qualquer chance de redenção fácil. Essa ambiguidade é o que torna a série mais instigante: a cada episódio, nos vemos presos a personagens que não são heróis nem vilões, mas pessoas despedaçadas tentando sobreviver.
O conflito com os criminosos, no entanto, é menos sólido. A gangue liderada por Mancuso (interpretado pelo excelente Troy Kotsur) aparece como uma sombra constante, mas nunca se desenvolve de fato. Suas motivações e sua ligação com a cidade ou mesmo com o passado da família Friedkin ficam apenas sugeridas, quase decorativas, servindo mais como um gatilho para empurrar os irmãos a decisões extremas. Essa falta de profundidade enfraquece a trama paralela, que se sustenta no “vai e vem” de cobranças, fugas e desculpas. O problema é que esse ciclo se repete tantas vezes que perde força: ameaça, perseguição, alívio momentâneo e nova ameaça. Mesmo quando a escalada inclui violência gráfica, como amputações e tiroteios, o impacto se dilui pela previsibilidade do esquema narrativo.
Em contrapartida, o drama familiar é muito mais envolvente. As mágoas antigas, os ressentimentos guardados e a incapacidade de reconciliação tornam Jake e Vince figuras tão frágeis quanto perigosas. Jason Bateman entrega uma performance surpreendente, fugindo do perfil metódico que o consagrou em Ozark para viver um homem instável, sujo e decadente. Jude Law, por sua vez, encarna o oposto: o irmão aparentemente bem-sucedido e controlado, mas que usa essa fachada para esconder seu egoísmo e suas mentiras. A química entre os dois é o grande trunfo da série, sustentando diálogos intensos e confrontos que parecem sempre à beira da implosão.
Há, sim, momentos em que o ritmo se arrasta além do necessário. O roteiro poderia ser mais enxuto, talvez com dois episódios a menos, condensando melhor a narrativa. Isso evitaria a sensação de repetição e daria mais impacto às viradas. Ainda assim, quando Black Rabbit acerta, acerta em cheio: seja na construção de tensão silenciosa em uma mesa de jantar, seja na sensação de que a qualquer momento uma escolha mal pensada pode destruir tudo.
O desfecho da minissérie é previsível para quem acompanha de perto os detalhes espalhados ao longo dos episódios. Mas previsibilidade não é sinônimo de fracasso: aqui, a força está menos no choque final e mais no caminho percorrido. O problema é que, por não criar uma conexão emocional mais profunda entre público e personagens, o clímax não atinge o impacto que poderia. Ficamos como observadores de uma tragédia anunciada, mas sem sentir o baque de quem perdeu alguém próximo.
No fim, Black Rabbit é uma série que merecia mais destaque do que recebeu. Não é perfeita: tem problemas de ritmo, subtramas mal desenvolvidas e uma gangue que poderia ser muito mais interessante. Mas também tem pontos fortes inegáveis: atuações poderosas, ambientação marcante e um olhar corajoso sobre laços familiares corroídos pelo tempo e pelas escolhas. Para quem procura um thriller denso, sombrio e conduzido por personagens complexos, é uma experiência que vale a pena. Para quem espera algo explosivo e direto ao ponto, talvez a paciência seja testada.
É injusto comparar diretamente com Ozark, ainda que as semelhanças saltem aos olhos. Enquanto a série de 2017 apostava em um ritmo acelerado e múltiplas tramas interligadas, Black Rabbit prefere o olhar mais fechado, íntimo e psicológico. A proposta é outra. O problema é que, em alguns momentos, ela parece não ter certeza se quer ser um retrato de personagens ou um suspense de ação, oscilando entre essas duas identidades sem abraçar completamente nenhuma. Essa indecisão, por vezes, mina a força que poderia ter.
Mesmo assim, no que se propõe, Black Rabbit entrega um thriller competente, que sabe como criar tensão e explorar o peso das escolhas. Pode não ser a melhor minissérie do ano, mas é uma obra que merece ser vista sem pressa, absorvida pouco a pouco. Porque, como a própria série nos lembra, às vezes os maiores perigos não estão nas ruas escuras de Nova York, mas dentro da própria família.