Com o passar dos anos e temporadas, O Urso se consolidou como uma das produções mais intensas, sensíveis e tecnicamente ousadas da televisão. Vencedora de prêmios, dona de episódios memoráveis e de uma estética que influenciou toda uma nova leva de séries dramáticas, a produção criada por Christopher Storer chegou à sua quarta temporada carregando a expectativa de manter o mesmo nível de genialidade visto nos anos anteriores. E mesmo entregando uma temporada menos inspirada em comparação às anteriores, O Urso ainda permanece no topo — com méritos.
A nova leva de episódios escolhe um caminho mais contido, com menos riscos e experimentações técnicas, e aposta em algo mais emocional, profundo e focado em seus personagens centrais. Depois de uma terceira temporada que teve seus momentos de pura ousadia, com episódios sem falas, planos-sequência de tirar o fôlego e estruturas narrativas pouco convencionais, aqui a série desacelera. E isso, num primeiro momento, pode soar decepcionante para quem esperava uma nova quebra de paradigma. Mas a escolha é compreensível quando se observa o que a narrativa quer entregar: um amadurecimento emocional e uma espécie de transição de fase — tanto para os personagens quanto para o restaurante que dá nome à série.
O foco maior dessa temporada recai sobre o trio Carmy, Sydney e Richie, com arcos pessoais mais afiados, mesmo que isso custe o espaço de outros personagens antes relevantes, como Tina e Neil. Carmy, interpretado com profundidade e entrega por Jeremy Allen White, encara de frente seus traumas, frustrações e, sobretudo, sua bagunça interna. Ele finalmente começa a se aproximar emocionalmente de sua família, lidando com o luto do irmão, com sua inabilidade de se abrir e com as consequências da forma como tratou os colegas ao longo da série. Esse mergulho emocional se dá de maneira orgânica, costurado por tudo o que foi construído até aqui. Não há pressa, tampouco sensacionalismo. Há uma tentativa real de redenção.
Sydney, por sua vez, ganha o desenvolvimento que merecia. Sua relação com o pai, suas dúvidas sobre o futuro e a maneira como lida com as responsabilidades de liderar uma cozinha ao lado de alguém tão imprevisível quanto Carmy são exploradas com sensibilidade. A série consegue equilibrar bem suas inseguranças com sua competência, criando uma personagem ainda mais fascinante. Já Richie, ainda que tenha menos espaço, protagoniza um dos momentos mais belos da temporada: o casamento da sua ex-esposa Tiffany. É nesse episódio — o mais longo da temporada — que O Urso retoma, mesmo que pontualmente, o brilho narrativo de seus episódios clássicos. Não é tão impactante quanto os destaques das temporadas anteriores, mas tem coração e significado. Ver Richie aceitando o novo marido de Tiffany e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para um novo romance, é o tipo de maturidade emocional que poucas séries conseguem apresentar com tanta naturalidade.
As participações especiais seguem como marca registrada, ainda que menos marcantes. O retorno de Jon Bernthal, Bob Odenkirk e Jamie Lee Curtis eleva o nível das cenas em que aparecem, e as participações de Brie Larson e Danielle Deadwyler, apesar de breves, trazem leveza e frescor. Mas o verdadeiro destaque está na adição de Will Poulter e Sarah Ramos ao elenco recorrente — escolhas acertadas que funcionam bem dentro da dinâmica do restaurante.
Tecnicamente, a série continua refinada. A montagem rápida, a câmera que beira o claustrofóbico e a sonoplastia intensa seguem como elementos fundamentais da identidade visual e narrativa da produção. Ainda assim, sente-se a ausência de um episódio que marque a temporada de forma definitiva — como foi o caso de “Forks”, “Fishes” ou “Review” nos anos anteriores. A falta de ousadia aqui talvez seja o maior sinal de que a série está em modo de transição, testando os limites do fôlego que ainda tem para oferecer. Há um cuidado visível em preparar o terreno para possíveis desfechos futuros, mas o risco é perder parte do impacto emocional que tanto consagrou a série.
No fim, o que O Urso entrega em sua quarta temporada é uma espécie de conforto desconfortável. Ainda queremos estar com esses personagens, ainda nos importamos com o destino do restaurante, ainda queremos entender os conflitos internos de cada um deles. E mesmo quando joga mais no seguro, a série se sustenta. O mérito disso está no trabalho construído desde o início, em roteiros bem amarrados, atuações afiadas e em uma direção que, mesmo contida, sabe onde quer chegar.
O Urso pode não ter entregado sua temporada mais brilhante, mas reafirma que excelência não se mede apenas por ousadia. Às vezes, é preciso apenas continuar a contar boas histórias — e isso a série ainda faz com maestria.