A segunda temporada de Gen V chega cercada por expectativas e um peso que vai muito além da narrativa em si. Há, de um lado, a tragédia da morte de Chance Perdomo — intérprete de Andre — que obrigou a equipe a descartar episódios inteiros e reescrever parte do roteiro. Do outro, a responsabilidade de atuar como ponte entre a quarta e a última temporada de The Boys , série original que definiu o tom e o sucesso do universo em que Gen V está inserido. O resultado é uma temporada marcada por boas ideias, mas que acaba sucumbindo à instabilidade de uma trama reconstruída às pressas, sem conseguir equilibrar emoção, coesão e impacto.
Desde o primeiro episódio, é possível perceber como a nova temporada tenta lidar com a ausência de Perdomo de forma respeitosa. A decisão de não escalar outro ator para o papel de Andre é compreensível, mas a maneira como a série escolhe homenagear o personagem não atinge a força emocional que se esperava. O luto está presente, sim, mas de forma limitada a diálogos e lembranças, sem uma construção que dê profundidade real ao sentimento coletivo do grupo. O roteiro até busca usar essa perda como motor emocional, trazendo o pai de Andre para reforçar o elo afetivo entre os personagens, mas essa tentativa acaba se tornando apenas um recurso de passagem, sem o impacto que poderia gerar se fosse o eixo central da trama.
O problema maior é que a homenagem, apesar de bem-intencionada, evidencia as costuras de um roteiro refeito em meio à urgência. Há momentos em que cenas e diálogos claramente pertencem à versão original, destoando do tom reescrito. Isso cria uma sensação de desconexão entre as partes — algo que se reflete na própria estrutura narrativa. A temporada, ao tentar costurar a homenagem, a continuidade de The Boys e o desenvolvimento dos protagonistas, acaba ficando refém de fragmentos que nunca se unem de forma orgânica. O resultado é um conjunto que soa superficial, ainda que as ideias estejam lá, escondidas entre uma cena e outra.
A tentativa de servir como elo entre as séries é outro ponto que fragiliza Gen V. A presença de personagens conhecidos como Luz Estrela, Trem Bala, Mana Sábia, Profundo e até o novo Black Noir deveria fortalecer a conexão, mas acaba se limitando a participações que mais soam como fan service do que como parte real da história. A trama menciona o plano da Sábia contra Capitão Pátria e faz referências diretas ao final da quarta temporada de The Boys, quando personagens de Gen V se envolvem no sequestro de Hughie, Leitinho, Kimiko e Francês. No entanto, tudo isso é resolvido de maneira apressada nos dois primeiros episódios, o que enfraquece o potencial de continuidade e esvazia o impacto que a ligação entre as duas séries poderia ter. A explicação é simples: com o roteiro reescrito, boa parte desse material acabou descartada, deixando pontas soltas e resoluções pouco satisfatórias.
O que poderia salvar a temporada é justamente o que melhor funciona: o antagonista. Cipher, interpretado com intensidade por Hamish Linklater, é a figura que mais se destaca. Seu arco é construído com calma e mistério, revelando um personagem que carrega o mesmo tipo de ameaça e desconforto que torna Capitão Pátria tão aterrorizante. Cipher é o ponto de estabilidade de uma narrativa que por vezes se perde. Sua presença em cena é magnética, e o roteiro acerta ao guardá-lo para o clímax, construindo aos poucos sua relação com Marie e seu papel dentro dos planos sombrios da Godolkin. O vilão cresce à medida que o enredo avança, e o plot twist em torno de sua história é um dos momentos mais fortes da temporada — bem elaborado, impactante e coerente com as pistas deixadas ao longo dos episódios.
Enquanto isso, os protagonistas parecem presos em um drama adolescente que se repete. Marie, Jordan, Emma e os demais estudantes vivem entre brigas, reconciliações e romances que soam forçados e pouco relevantes diante do caos político e moral que sempre definiu esse universo. A primeira temporada tinha o frescor da novidade — o sentimento de que Gen V poderia caminhar com as próprias pernas dentro do mundo de The Boys. Aqui, essa sensação desaparece. O luto de Andre domina os primeiros episódios, mas, como não se sustenta, abre espaço para uma rotina previsível e uma dinâmica de grupo que carece de carisma. Em vez de evoluírem, os personagens parecem se mover em círculos, presos a conflitos internos que não acrescentam muito à trama maior.
Mesmo assim, há lampejos do que Gen V faz de melhor. A série mantém o humor ácido, as críticas políticas e as referências à cultura pop que caracterizam o universo de The Boys . Algumas cenas bizarras — marca registrada da franquia — aparecem com vigor e criatividade, lembrando o público de que, quando quer, a série ainda é capaz de provocar e entreter. Há momentos também em que a crítica ao poder, à manipulação e à fabricação de ídolos retorna com força, ainda que de forma mais tímida.
O maior dilema de Gen V nesta segunda temporada é justamente sua falta de identidade. Ao tentar equilibrar homenagem, continuidade e reinvenção, a série acaba não sendo nenhuma das três coisas plenamente. Falta o peso dramático para emocionar, falta a ousadia para se destacar e falta a consistência para se firmar como algo independente de The Boys. Ainda assim, não é um fracasso completo. A produção entrega bons momentos, um vilão memorável e algumas discussões que, mesmo tratadas de forma breve, mantêm viva a essência crítica da franquia.
Em última análise, a nova temporada de Gen V é um reflexo de uma série que foi forçada a se reinventar sem ter tempo para isso. O luto de Perdomo paira sobre a trama como uma sombra, e o esforço da equipe em transformar essa dor em narrativa é digno de respeito — ainda que o resultado não atinja o impacto pretendido. A temporada sofre com remendos, mas não deixa de ter méritos. Se há algo que ela prova, é que o universo de The Boys continua fértil para explorar novas histórias, desde que encontre novamente o equilíbrio entre irreverência, crítica e emoção.
No fim, Gen V volta não como a série que queríamos, mas como a que foi possível fazer diante das circunstâncias. Falta força, falta unidade, mas não falta tentativa. E, em um universo onde nada é simples, talvez isso já seja mais do que o suficiente para manter o público curioso pelo que vem a seguir.