Poucas séries conseguiram, nos últimos anos, revitalizar um universo tão explorado como Star Wars e ainda manter uma identidade própria com tamanha elegância. Andor não apenas cumpriu esse feito, como em sua segunda — e última — temporada, consolidou-se como uma das melhores séries da atualidade. Longe das convenções da franquia, sem sabres de luz ou batalhas espaciais coreografadas até o excesso, a produção de Tony Gilroy encontrou seu caminho na sutileza, no subtexto político e, acima de tudo, na humanidade. É um respiro criativo não só para o universo de Star Wars, mas para o streaming como um todo, que tantas vezes parece girar em círculos em torno de fórmulas desgastadas.
O encerramento da série carrega a responsabilidade de conectar diretamente os eventos com Rogue One, e faz isso com uma precisão rara. A decisão ousada de comprimir vários anos em uma única temporada poderia ter comprometido a fluidez da narrativa — como vimos, por exemplo, na segunda temporada de Arcane, que sacrificou ritmo e desenvolvimento em função do tempo. Mas Andor escapa desse destino graças a um roteiro incrivelmente bem estruturado, que costura cada passagem temporal com naturalidade, sem forçar avanços bruscos e sem perder a profundidade emocional dos personagens. A sensação que fica, aliás, é de que a série tinha fôlego para mais. Mais uma temporada, talvez. Mas também é compreensível que os criadores tenham escolhido terminar no auge, sem estender a trama até esvaziá-la, como tantas vezes já aconteceu dentro da própria franquia.
Outro grande trunfo da série está na maneira como ela amplia o escopo de Star Wars. Aqui, não há espaço para profecias messiânicas, heróis com dons especiais ou vilões caricatos. O foco está nos civis, nos oprimidos, nos que tentam resistir como podem dentro de um sistema sufocante. E é justamente esse afastamento dos arquétipos clássicos que permite que Andor brilhe. A série nos leva para o centro da rebelião, mas de um jeito cru, sujo e real. Mostra pessoas que não lutam por glória, mas por sobrevivência, por valores que vão sendo construídos com erros e hesitações. Não é uma luta épica pela galáxia. É uma luta silenciosa, interna, humana.
A ambientação também merece elogios: a representação do Império nunca foi tão opressiva. Aqui, o autoritarismo não é apenas estético — ele é sentido, respirado, vigiado. A série transforma o Império em algo mais do que apenas um símbolo do mal. Ele se torna uma metáfora poderosa da desumanização, do controle, da manipulação. É uma entidade invisível que paira sobre tudo, criando um estado de vigilância que atinge até o espectador. Ao mesmo tempo, há um contraponto emocional muito bem construído, que revela o lado mais esperançoso da condição humana, expresso nos pequenos atos de resistência e nos vínculos afetivos que sobrevivem mesmo em meio ao caos.
No elenco, Diego Luna entrega uma performance sólida, madura e sem exageros. Seu Cassian Andor evolui de forma orgânica, com o peso de quem carrega o próprio passado e, aos poucos, se transforma em um símbolo relutante da rebelião. Mas quem realmente rouba a cena é Stellan Skarsgård. Mesmo com menos tempo de tela, seu personagem — o complexo e enigmático Luthen Rael — tem uma presença magnética e se torna um dos mais fascinantes já criados dentro do universo de Star Wars. Adria Arjona, por sua vez, entrega uma atuação firme e emotiva, reafirmando o talento que já havia demonstrado na primeira temporada.
Ao fim, o que Andor faz é preencher um vazio narrativo que existia entre Revenge of the Sith e Rogue One, e o faz com maestria. A série dá um novo significado à rebelião — algo que até então era apenas pano de fundo nos filmes clássicos —, oferecendo camadas, contexto e, principalmente, emoção. É uma obra que respeita a inteligência do público, que se distancia da espetacularização gratuita e aposta em uma construção dramática refinada, com temas adultos e relevantes. Se a Lucasfilm souber aprender com Andor, poderá reencontrar o caminho da criatividade. Se ignorar, continuará tropeçando em promessas vazias, como foi o caso de The Acolyte.
Andor termina deixando um gosto de quero mais. Mas talvez esse seja o maior elogio possível: saber a hora de parar também é um gesto de grandeza.