Se há algo a ser celebrado na tristeza criativa da televisão brasileira, é a coragem — ou audácia patológica — da TV Record ao presentear o público com a trilogia Mutantes: Caminhos do Coração, Os Mutantes: Caminhos do Coração (sim, o título repete como um déjà vu maldito) e Mutantes: Promessas de Amor. Uma saga que, em sua essência, parece ter sido escrita por um fã de X-Men que, após uma noite de cachaça e maratona de novelas mexicanas dos anos 90, decidiu que o mundo precisava de uma versão low budget dos filhos do Professor Xavier, mas com direito a triângulos amorosos, vilões que parecem extras de Power Rangers e diálogos que fazem Chaves soar como Shakespeare.
A premissa é simples: mutantes existem, lutam contra o preconceito e... ah, sim, precisam resolver dilemas como “será que a Luz (a protagonista) vai escolher o Gael ou o Zeca nesta semana?”. A genialidade do roteiro reside em sua capacidade de transformar conceitos de ficção científica em piadas involuntárias. Os poderes dos personagens? Uma coleção de habilidades que variam do útil (telepatia) ao inacreditavelmente inútil (soltar fumaça pelas mãos, um superpoder digno de um isqueiro defeituoso). Os conflitos? Imagine uma colcha de retalhos feita com restos de X-Men, Novo Mundo (a novela global sobre índios) e Malhação, costurada por alguém que claramente despreza coerência.
A cereja do bolo é a insistência em temas “profundos”, como o “amor que transcende a mutação” — um esforço digno de nota, se não fosse executado com a delicadeza de um elefante em loja de cristais. Em um momento memorável, um vilão chamado “O Eclipse” (cujo poder é... ser mau de um jeito genérico?) ameaça destruir a humanidade enquanto discursa sobre inveja e solidão, numa cena que oscila entre o constrangedor e o hipnoticamente ridículo.
O elenco, composto por atores que alternam entre a perplexidade e o desespero, parece ter sido orientado a interpretar como se estivessem em um teatro de arena para surdos. A protagonista Luz (Thaís Melchior) entrega uma performance que varia de “estátua em crise existencial” a “gritaria de reality show”, enquanto os demais mutantes competem para ver quem consegue mastigar mais o cenário — literalmente, em alguns casos. Há momentos em que as expressões faciais são tão exageradas que parecem uma homenagem involuntária ao cinema mudo, só que sem a genialidade de Chaplin.
E como esquecer a dupla dinâmica que elevou o conceito de “mutante com genes de lobo” a patamares de comédia involuntária? Cássio Ramos e André Mattos, nos papéis de Valfredo “Vavá” Pachola e Paulo Pachola, entregaram ao mundo uma interpretação tão única que até hoje cientistas debatem: eram lobisomens, vampiros em crise existencial ou dois atores perdidos em um reality show de terror de quinta categoria? Com direito a dentes de vampiro comprados na Rua 25 de Março — que mais pareciam brinquedos de plástico mastigados por um cachorro —, a dupla encarava as câmeras com caretas dignas de um episódio de Scooby-Doo dirigido por Ed Wood. Cada rosnado era uma aula de como não transmitir ferocidade, e cada close-up dos falsos caninos (que brilhavam como se tivessem sido lambuzados com cola branca) era um lembrete de que, às vezes, menos é mais.
Enquanto Vavá tentava convencer o público de que seu “lobo interior” era ameaçador (mas parecia apenas um professor de ioga com indigestão), Paulo Pachola completava o espetáculo com expressões faciais que oscilavam entre o constrangido e o “será que ainda me pagam por isso?”. Juntos, eles formavam um dueto de horror tão memorável quanto um vídeo de porta de elevador quebrada. E se hoje suas performances são humilhantes, saibam que, na época, foram… humilhantes com um brilho assustador. Afinal, quem precisa de CGI quando se tem dentes de plástico e vontade de rir da própria carreira?
A cena em que os dois “lobos” uivam para a lua (provavelmente um poste de luz com filtro azul no Photoshop) permanece como um monumento à audácia da dramaturgia brasileira. Se um dia fizerem um Museu dos Efeitos Especiais Fracassados, que reservem um altar para Vavá e Paulo — de preferência, com direito a playback de rosnados e um estoque eterno de cola para dentadura.
Não podemos esquecer os vilões, verdadeiras joias da dramaturgia. Interpretados com a sutileza de um caminhão desgovernado, eles riem, esbravejam e ameaçam com uma intensidade que faz até o Coringa parecer um monge budista. É como se o diretor tivesse dito: “Não precisamos de nuances, só gritem mais!”.
Se há algo que une os três títulos da saga, é a certeza de que os efeitos visuais foram feitos no Windows Movie Maker por um estagiário que descobriu o PowerPoint na semana anterior. As cenas de ação são um festival de green screens mal renderizados, explosões que lembram gifs de 1998 e poderes mutantes que parecem cliparts animados. Em uma cena antológica, um personagem se teleporta, e o efeito usado é tão rudimentar que parece que ele foi cortado e colado no frame seguinte por uma criança de cinco anos.
O ápice da “criatividade técnica” ocorre quando os mutantes usam seus poderes: raios laser que lembram canetas highlight, “energias cósmicas” que são claramente filtros do Instagram, e uma sequência de “batalha épica” em que os personagens correm em câmera lenta por um estacionamento vazio — uma metáfora perfeita para o orçamento da produção.
Mutantes: Caminhos do Coração e suas sequências não são apenas novelas; são experiências antropológicas. Elas nos mostram o que acontece quando a falta de originalidade se casa com a incompetência técnica, e o resultado é um fenômeno que transcende o ruim para se tornar... icônico? Não, icônico é elogio. Vamos chamar de “um acidente de trem que você não consegue desviar os olhos”.
A trilogia da Record é um monumento à audácia de acreditar que plágio descarado + produção amadora + roteiro escrito em guardanapos = sucesso. E, de certa forma, eles conseguiram: são memoráveis justamente por serem tão horríveis. Cada capítulo é uma aula de como não se faz televisão, um manual do que evitar se um dia você quiser ser levado a sério.
Se as novelas da trilogia Mutantes fossem um prato, seriam um miojo queimado, servido com ketchup grudento e uma pitada de desespero. Mas, como diria o grande poeta do absurdo: “É tão ruim que chega a ser bom”. Para fãs de ironia, sarcasmo e risadas às custas alheias, essa saga é um tesouro. Para o resto da humanidade, é um lembrete de que, às vezes, a ficção científica deveria ficar no campo das ideias — longe de roteiristas com complexo de Deus e orçamentos de quermesse.
E assim, caro leitor, deixamos uma pergunta no ar: Mutantes: Promessas de Amor é uma cópia dos X-Men ou uma paródia involuntária? A resposta, como os efeitos especiais da série, permanece obscura — mas certamente engraçada.