Baseada na icônica franquia cinematográfica dos anos 1980 e 1990, a série Máquina Mortífera (2016-2019) enfrentou o desafio de transpor para a televisão a química explosiva de Riggs e Murtaugh, originalmente vividos por Mel Gibson e Danny Glover. Com três temporadas, a produção da Fox equilibrou momentos de ação, humor ácido e drama pessoal, mas foi profundamente impactada por controvérsias nos bastidores, culminando em mudanças de elenco e críticas mistas. Esta análise abordará os elementos-chave da série, desde o enredo até o legado final.
O núcleo da série mantém a premissa clássica dos filmes: a parceria entre o policial impulsivo Martin Riggs (Clayne Crawford) e o cauteloso Roger Murtaugh (Damon Wayans), unidos para combater o crime em Los Angeles. Nas duas primeiras temporadas, o enredo explora com eficiência o contraste entre os traumas de Riggs — um viúvo suicida — e o conservadorismo de Murtaugh, um pai de família em recuperação de um infarto. A dinâmica "fogo e gelo" rende cenas memoráveis, como perseguições alucinantes e diálogos carregados de ironia, enquanto subplots investigativos mantêm o ritmo acelerado.
No entanto, a terceira temporada sofre uma fratura narrativa abrupta: a morte de Riggs e a introdução de Wesley Cole (Seann William Scott), um ex-agente da CIA com um passado misterioso. A transição é abrupta e pouco orgânica, prejudicando a continuidade. Apesar de tentar reinventar a dupla, a falta de química entre Scott e Wayans e a ausência de um arco emocional tão potente quanto o luto de Riggs deixam a trama superficial, reduzindo-a a episódios autônomos sem impacto duradouro.
Clayne Crawford destaca-se como o coração da série, capturando a vulnerabilidade e a ferocidade de Riggs com nuances que evitam a caricatura. Sua interpretação oscila entre o humor autodepreciativo e a angústia visceral, especialmente em cenas que exploram seu luto. Damon Wayans, por sua vez, traz uma versão mais comedida de Murtaugh, enfatizando o lado familiar e o humor sarcástico, embora, às vezes, pareça restrito pela falta de evolução do personagem.
A substituição de Crawford por Seann William Scott na terceira temporada é um ponto crítico. Scott, conhecido por papéis cômicos, tenta imprimir seriedade a Cole, mas o roteiro não oferece profundidade suficiente para justificar sua inserção. A química entre ele e Wayans é forçada, evidenciando que a dupla original era insubstituível. Thomas Lennon, como Leo Getz, é um alívio cômico competente, mas seu personagem — assim como outros coadjuvantes — raramente ultrapassa o estereótipo.
O roteiro das primeiras temporadas equilibra ação, drama e humor com maestria, expandindo mitologias dos filmes (como o passado militar de Riggs) e explorando temas como luto, redenção e paternidade. Diálogos afiados e reviravoltas inteligentes compensam episódios mais previsíveis. Contudo, a terceira temporada peca pela falta de coerência: a morte de Riggs é tratada com pressa, e a introdução de Cole parece um ajuste de última hora, sem construção emocional.
Além disso, episódios focados em casos isolados frequentemente negligenciam o desenvolvimento dos personagens, especialmente após a saída de Crawford. A série também falha em inovar: repete fórmulas consagradas (como sequências de perseguições) sem adicionar camadas relevantes, tornando-se refém da nostalgia.
A fotografia da série é funcional, mas carece de ousadia. As cenas de ação, embora bem coreografadas, são limitadas pelo orçamento televisivo, com enquadramentos convencionais e excesso de close-ups para disfarçar dublês. A paleta de cores vibrantes em Los Angeles contrasta com tons sombrios nas cenas dramáticas de Riggs, reforçando seu estado psicológico. No entanto, a direção raramente se destaca, priorizando a clareza narrativa em detrimento de experimentações visuais.
A trilha sonora retoma o tema icônico dos filmes, adaptado para um arranjo mais contemporâneo, o que garante imediata identificação com a franquia. As composições de Robert Duncan (Bones, Castle) acompanham adequadamente a tensão das cenas de ação e a melancolia dos momentos introspectivos, embora raramente se destaquem como memoráveis. A escolha de músicas populares em sequências-chave (como rock clássico em perseguições) mantém o tom descontraído, mas soa genérica em comparação à irreverência dos filmes originais.
O cancelamento abrupto após a terceira temporada deixou a série sem um desfecho satisfatório. O último episódio, A Game of Chicken, tenta encerrar arcos pendentes, como o ajuste de Cole à vida civil e os conflitos familiares de Murtaugh, mas a resolução é apressada e artificial. A morte de Riggs, ocorrida no início da temporada, nunca é plenamente digerida pela narrativa, tornando seu legado uma sombra desconfortável. O final reflete mais as turbulências nos bastidores do que uma conclusão artística planejada.
Máquina Mortífera é uma série de contrastes. Nas duas primeiras temporadas, apresenta-se como uma adaptação digna da franquia, graças à química eletrizante de Crawford e Wayans e a roteiros que respeitam a essência dos personagens. No entanto, a demissão de Crawford e a inserção forçada de Seann William Scott expõem as fragilidades de produções dependentes de dinâmicas interpessoais específicas. A fotografia e a trilha sonora cumprem seu papel, mas não elevam o material além da mediania.
O legado da série é ambíguo: prova que é possível modernizar clássicos com talento, mas também serve como alerta sobre os riscos de conflitos nos bastidores. Para fãs dos filmes, as primeiras temporadas valem pela homenagem afetuosa; já a terceira é um epílogo desnecessário. Em última análise, Máquina Mortífera é como Riggs: cheia de potencial, mas marcada por feridas que a impediram de brilhar plenamente.