Ao assistir do primeiro ao último capítulo tive certeza absoluta que os autores e os realizadores desta série assistiram ou tiveram conhecimento do filme brasileiro QUE HORAS ELA VOLTA (Brasil, 2015), lançado há exatos 10 anos e que também demonstra não apenas uma migrante nordestina que abandona a própria filha para criar o filho de família endinheirada em São Paulo, quanto envolvimento sexual que poderíamos chamar de "abusivo".
Basta apenas trocamos o nordeste pelas Filipinas e São Paulo pela Dinamarca e o resto,
exceto os crimes (estupro e assassinato), que acontecem apenas na série dinamarquesa
, estará todo lá!
Há a "coisificação" de seres humanos, tornados análogos às máquinas de lavar ou aos aspiradores de pó, para facilitar a execução de tarefas domésticas por parte da classe média e da classe alta e que, uma vez que já não são mais necessários ou desejados, são sumariamente "descartados"
(ambas as domésticas, tanto a filipina quanto a nordestina, acabam sendo demitidas)
.
Há a equação onde a doméstica não apenas cria o filho da madame, quando a atenção, o carinho e a afetividade são "terceirizados", como também, levando às últimas consequências, como acontece na série dinamarquesa,
até mesmo o abuso sexual é naturalizado e invisibilizado.
Tanto o filme brasileiro quanto a série dinamarquesa (onde a exploração da mão de obra barata é justificada como se estivesse acontecendo uma espécie de "intercâmbio cultural" e onde as palavras "empregada doméstica" são substituídas pela pomposa expressão em francês "au pair") retratam o mais brutal e primitivo uso e abuso de seres humanos, análogo à escravidão, que é sacramentado inclusive por toda uma rede de proteção mútua, que é tanto jurídica quanto "social" (da comunidade dos iguais), por parte do mais poderoso, que sai ileso dos seus crimes, em relação ao mais vulnerável.