Terminei de ver Néro e fiquei com a cabeça cheia. A série é linda visualmente, cheia de mistério, mas o que mais me marcou foi o retrato de um povo completamente dominado pela religião ou melhor, pela tirania da religião.
Os penitentes da série são uma imagem perfeita disso. Eles vivem cobertos, se flagelando, andando em procissões com cruzes, acreditando que quanto mais dor sentirem, mais perto estarão de Deus.
Isso não é invenção da série: na Idade Média, principalmente durante pragas e crises, existiam mesmo grupos de penitentes que se chicoteavam em praça pública para “pagar” pelos pecados da humanidade. Achavam que o sofrimento podia limpar o mundo e apaziguar a ira divina. É triste e fascinante pensar que o catolicismo daquela época foi construído sobre essa lógica da culpa e da punição.
O corpo era visto como inimigo da alma.
O prazer era pecado.
A mulher, uma tentação.
E a dor, uma forma de redenção.
A cena da mulher grávida é, pra mim, uma das mais fortes.
Ela dá à luz com a ajuda de uma bruxa — uma mulher que representa o saber antigo, o contato com a natureza, a força feminina.
Mas logo depois, dominada pelo medo da igreja e pela ideia de pecado, ela rejeita o bebê e o mata, acreditando que a criança nasceu amaldiçoada por ter vindo “das mãos do demônio”.
Essa cena resume o poder do fanatismo: a mulher é capaz de matar o próprio filho porque a fé que ensinaram a ela é uma fé baseada no medo, não no amor.
Ela não vê mais o bebê, nem o ato de dar à luz — só vê o pecado.
É a religião apagando o instinto mais puro que existe, o instinto materno.
E isso tem muito a ver com o que o catolicismo representava antigamente.
Durante séculos, a Igreja ensinou que o corpo era impuro, que a carne era perigosa e que o prazer era pecado.
As mulheres foram tratadas como culpadas por existir — herdeiras de Eva, tentadoras, ligadas ao mal.
Enquanto isso, o sofrimento era exaltado como virtude.
Os penitentes da série mostram isso de forma brutal: gente se batendo, se cortando, acreditando que só a dor os aproxima de Deus.