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    3%: Como a série abriu terreno para o mercado internacional da Netflix

    Recentemente finalizada, a série brasileira foi um divisor de águas na estratégia internacional da Netflix.

    Estávamos no longínquo ano de 2011 quando um grupo de cineastas recém-formados subiam no YouTube um piloto dividido em três partes de uma série brasileira com a temática de distopia política e social. No enredo, o país era dividido entre o rico Maralto, onde moravam 3% da população e o miserável Continente, onde habitavam os outros 97%. 

    No entanto, ao completarem a maioridade, as pessoas do Continente tinham direito a fazer uma série de provas no conhecido "Processo", onde apenas os mais preparados eram aprovados para morarem do outro lado para sempre. Na descrição do vídeo, os realizadores do piloto feito com bastante esmero e uma fotografia gélida e acizentada diziam procurar uma emissora disponível a bancar a produção da série inteira.

    Talvez as emissoras ainda fossem muito "quadradas" para que pudessem abraçar a ideia da forma como ela deveria ser feita, mas foi precisso que anos se passassem e a Netflix chegasse ao Brasil, passasse a fazer conteúdos originais e depois investisse em nosso país para que, enfim, 3% fosse comprada. Foram mais de 4 anos de espera, mas o grande momento chegou. 

    A INFLUÊNCIA DE 3% AO REDOR DO MUNDO

    Hoje em dia, se dar ao luxo de ser criada e finalizada como um projeto contínuo na Netflix é um prestígio para poucas séries, já que boa parte acaba sendo cancelada no meio do caminho. É difícil mensurar exatamente o tamanho do impacto de 3% nas produções estrangeiras da Netflix mas não seria absurdo dizer que se hoje você curte assistir La Casa de Papel no streaming, seu país tem participação nisso.

    Na época em que foi lançada na plataforma em mais de 200 países, 3% era apenas a segunda série original Netflix fora do territério norte-americano, seguida apenas por Club de Cuervos, que na época não segurava uma audiência constante. Pela falta de engajamento a Club de Cuervos, a série brasileira era uma aposta arriscada e decidiria parte do futuro da plataforma naquele momento.

    Contrariando todas as expectativas, algo peculiar aconteceu: a primeira temporada de 3% recebeu críticas negativas no Brasil e positivas nos outros países. É difícil teorizar a razão disso: poderia ser um simples complexo vira-lata ou uma percepção delicada de nosso público que não via as falas do texto sendo ditas de maneira orgânica — na minha opinião, a resposta "correta" reside no meio das duas hipóteses.

    O MUNDO ALÉM DOS ESTADOS UNIDOS

    O ponto é que a partir dali, apenas um ano depois a Netflix quadruplicou o número de séries originais feitas em outros países senão os Estados Unidos, e negar a influência de 3% é impossível, gostando ou não da série. Aliás, vale lembrar que até a Netflix comprar e distribuir La Casa de Papel, era 3% quem liderava o topo de série de língua não-inglesa mais assistida na plataforma. 

    É claro que existem algumas razões mercadológicas para que a série engajasse tanto. A receita de juntar uma trama distópica, aliada a personagens carismáticos, jovens e tramas comprometidas entre si (duas pessoas infiltradas na Causa passaram para o Maralto e começaram a lutar para não corromperem suas ideologias) conquistou um público que a Netflix hoje usa de todos os algoritmos para atrair.

    De um jeito ou de outro, é interessante refletir sobre como a Netflix tem utilizado de estratégia as produções de países como Brasil, Espanha, Itália e França para conquistar públicos mais gerais. Mesmo com seus erros (às vezes grotescos), viabilizar o caminho para produções de outros países é um futuro sadio à plataforma, que os estúdios e emissoras teimaram por tanto tempo em ignorar. 

    E que bom que as emissoras ignoraram 3% por anos.

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