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    Crítica: Em Defesa de Jacob, da AppleTV+, se apoia no mistério e no peso da dúvida

    Série dramática possui ótimas performances de Chris Evans e Michelle Dockery.

    NOTA: 4,0 / 5,0

    ATENÇÃO! O texto a seguir pode conter SPOILERS de Em Defesa de Jacob.

    "Ele fez ou não fez?". Se há uma única pergunta que pode resumir toda a experiência de assistir a Em Defesa de Jacob, essa seria a ideal. Não há um capítulo sequer no qual a dúvida não apareça - tanto para o espectador quanto para os próprios personagens da minissérie, que possuem o mesmo número de informações que o público.

    Portanto, é muito difícil criar apenas uma linha de raciocínio e segui-la por todo o caminho percorrido pela narrativa. São as dúvidas mais cruéis e horripilantes que se sucedem episódio após episódio, ao mesmo tempo em que cada momento de afeto e esperança de pais desesperados como Andy (Chris Evans) e Laurie (Michelle Dockery) simultaneamente se encaixam como uma luva para nos fazer pensar que, sim, pode estar tudo bem. Pode ser apenas uma impressão. Ou não?

    O maior mérito de Em Defesa de Jacob recai exatamente neste ponto: no de deixar uma pontinha de dúvida mesmo quando tudo indica ser o contrário do que nos é mostrado. Afinal, como pode um garoto como Jacob Barber (Jaeden Martell) ser o responsável de um assassinato bárbaro contra seu colega de classe? Um garoto criado por pais presentes e amorosos em um lar harmonioso?

    A minissérie criada por Mark Bomback e muito bem dirigida por Morten Tyldum (O Jogo da Imitação) balanceia bem suas contradições. A começar pelo ponto de vista que guia o espectador do início ao fim: que acaba por ser o de Andy, um pai e advogado que imediatamente passa a defender seu filho sem pestanejar. A discordância principal da história está no fato dele ser um profissional racional que se baseia em fatos e provas; mas, por mais que diversas provas sejam postas à mesa com relação a Jacob, Andy luta contra tudo e todos para provar que seu filho não deveria ser visto como o responsável.

    Jacob possui uma faca (a arma do crime), não tinha um bom relacionamento com o garoto assassinado e, para piorar ainda mais as coisas, escreveu e publicou um conto em que narra, em primeira pessoa, o crime completo (descoberto apenas no 7º e melhor episódio). Contudo, o fato de Andy ser o guia desde o princípio, até mesmo antes do julgamento começar, contribui para que a visão geral se torne um tanto nebulosa. Mas é no mínimo interessante observar que, se fosse em um caso normal, Andy certamente iria contra o réu por conta do assustador número de evidências que não param de surgir.

    Isso traz a maior reflexão de Em Defesa de Jacob. Se o espectador acredita na inocência de Jacob em algum momento, isso se deve efetivamente por conta do garoto ou porque o ponto de vista em destaque é o de um pai que não quer enxergar a verdade? Tal pergunta resiste até chegar em um ponto que Andy e Laurie não aguentam mais; especialmente Laurie, que sem dúvidas é a personagem mais desenvolvida na série - indo na contramão dos próprios Andy e Jacob, que têm bastante destaque, mas uma psique mais encoberta.

    A Laurie de Michelle Dockery é a personagem que ganha as camadas mais profundas, não Jacob. Entendemos toda a dor da família Barber através de Laurie e todos os estágios da dor: a negação, o medo, o conflito interno, a dúvida e a culpa. Ao longo dos oito episódios, é Dockery quem traz a carga mais densa e pesada desta situação traumatizante, enquanto que com Andy, nem mesmo a esposa ou o espectador podem traduzir o que se passa internamente. Ambas as atuações de Dockery e Evans são complementares e comoventes, pois, além do garoto assassinado, eles também passam por algo que mudará suas vidas para sempre.

    A direção consistente de Tyldum, aliado ao belo trabalho de fotografia, destacam o distanciamento visual e mental dos três personagens. A residência dos Barber vai ficando cada vez mais fria e sem vida com o passar dos episódios - seja pela paleta de cores como pela escolha dos enquadramentos, que oscilam entre paredes entre o trio ou planos com uma profundidade ampla demais, que emana mais solidão do que um vínculo estável. O mesmo acontece com Jacob: sua única amizade vai se enfraquecendo aos poucos e a dificuldade em se expressar fica cada vez mais latente, chegando ao ponto dele não dizer absolutamente nem uma palavra a seus pais.

    Em Defesa de Jacob trilha um caminho de pedras muito instável diante de tantas perguntas e, por vezes, repete círculos que afetam o andamento da narrativa no geral. Mas o evidente talento do trio principal mantém tudo de pé - especialmente quando o que está em pauta é estritamente a relação familiar. A produção faz uma grande provocação ao não responder a principal pergunta de forma proposital (diferente do que acontece no livro original), para que assim feridas que não cicatrizarão facilmente sejam expostas. Algumas já estavam lá, mesmo que intocadas.

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