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    Bandidos na TV: Crítica da 1ª temporada

    Série documental da Netflix relembra os tempos de Linha Direta ao contar a polêmica história de Wallace Souza.

    Nota: 3,5/5,0

    Um apresentador que mata por audiência. Tal premissa já é o suficiente para despertar a curiosidade de qualquer um. Principalmente por ser uma história real. Nova série documental da Netflix, Bandidos na TV tenta desvendar os segredos de Wallace Souza, figura artística e política extremamente popular em Manaus, acusado de ser líder de um brutal grupo criminoso.

    Logo no primeiro episódio, fica clara a figura de Wallace, até mesmo para aqueles que não são familiarizados com a história. Ex-policial, ele comandava o Canal Livre, atração que misturava denúncias com performances musicais, pedidos de espectadores e outros diversos quadros presentes, até hoje, em programas dominicais. Seu apresentador tenta ser uma mistura de Ratinho com Wagner Montes, muito falante e de postura firme, se colocando como representante do povo.

    Com produção quase amadora, o apelo popular do Bandidos na TV ganha força por sua cobertura policial, se destacando por sempre ser a primeira equipe jornalística a chegar aos locais dos crimes. E por não ter medo de expor corpos, sangue e a brutalidade de cada caso. Logo, o programa se tornou fenômeno de audiência, atingindo o primeiro lugar e levando seu apresentador para cargos políticos. O problema surge quando Wallace é acusado de ser o mandante de diversos assassinatos registrados em seu programa, incriminando ou eliminando traficantes rivais para expandir a influência de seu próprio grupo criminoso. Ou seja, basicamente explodiu uma bomba na sociedade amazonense.

    O que se sucede é uma série de investigações e reviravoltas dignas de novela mexicana, enquanto o deputado mantém um discurso de inocência, afirmando que tudo não passa de uma armação provocados por inimigos políticos. Do outro lado, uma força-tarefa policial começa a investigar a denúncia, tentando conectá-lo (e seu filho) com chocantes crimes. Mas o interessante é perceber que isso surge apenas como o pontapé inicial. Não é a toa que todo o caso já é, basicamente, apresentado em seu piloto, pois a culpa de Souza não é a única dúvida jogada ao público. Ao longo dos episódios, uma crítica sobre o poder da mídia e quais devem ser os limites das autoridades em busca de justiça retratam como nem tudo é preto ou branco. É o meio cinza e granulado que deve ser observado, num mundo onde humanos podem ser exaltados como salvadores, mesmo sendo cheio de defeitos.

    Para endosar ambos os lados, o documentário apresenta depoimentos de muitos envolvidos na história, sempre tentando inseri-los da maneira mais interessante para a narrativa, colocando imagens num recurso além das palavras. Familiares de Wallace argumentam contra os agentes responsáveis pela inspeção e os dois lados seguem travando uma batalha de anos. Ao mesmo tempo, jornalistas que cobriram o caso também opinam, intercalados com representações dramáticas com acontecimentos. Se as entrevistas podem até ficar repetitivas, é tal dramatização frequente que distrai o espectador.

    A história contada é realmente intrigante (e muitas vezes absurda) e, justamente por isso, não precisa de tantos artifícios para exaltar suas surpresas. Se as cenas recriadas até ajudam a ilustrar a narrativa, o uso de trilha sonora exagerada (com direitos a batidas de coração!) e edições dramáticas e bruscas trazem um teor artificial demais. Afinal, trata-se de uma história real, mas é apresentada num estilo semelhante ao antigo Linha Direta. Ou seja, não agrada todos os gostos.

    Por outro lado, é inegável o extenso trabalho de pesquisa do premiado diretor Daniel Bogado. Seu catálogo de imagens de arquivo transita entre diversas edições do Canal Livre até os jornais que cobriram o 'caso Wallace' na época. Um trabalho que fica mais detalhado ao perceber o grande número de entrevistados. Já o destaque mesmo é o uso de discursos do deputado em cada tópico. O cineasta consegue relacionar diferentes falas e momentos registrados de seu objeto em questão, espalhando-os por toda a narrativa retratada, sem perder qualidade ou imediatismo. É o suficiente para imaginar como foi o processo trabalhoso de Bogado, na frente de uma tela, assistindo dezenas de horas de monólogos de Souza.

    Para aqueles apaixonados por absurdas histórias policiais, Bandidos na TV é um prato cheio. Mas se o Canal Livre tinha uma camada superficial e sensacionalista, é preciso destruir os recursos artificiais da nova série documental para enxergar sua verdadeira crítica. Não basta escolher um lado. É preciso aceitar os erros de todos e pensar como podemos ser melhores indivíduos daqui em diante.

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