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    Atypical ganha folêgo com trama mais amadurecida (Crítica da 2ª temporada)

    A nova leva de episódios já está disponível da Netflix.

    Nota: 3,5 / 5,0

    Atypical é a ‘típica’ série feel good. A comédia familiar da Netflix protagonizada por Keir Gilchrist no papel de um adolescente com autismo é a série ideal para uma maratona em um daqueles dias que você só quer ver algo que te faça se sentir bem. Enquanto a primeira temporada é uma abordagem bem intencionada — mas simplista — da história dos Gardner, a segunda ganha complexidade, aprende a enxergar os demais personagens como protagonistas e com isso ganha. E muito!

    Neste ano, Sam (Gilchrist) precisa encontrar um novo terapeuta após o desastre envolvendo Julia (Amy Okuda), enquanto seus pais passam por um processo de separação, após Doug (Michael Rapaport) ter descoberto sobre a traição de Elsa (Jennifer Jason Leigh), por intermédio de Casey (Brigette Lundy-Paine). O desafio é exatamente como abordar isso com Sam, que não lida muito bem com mudanças e não sabe a respeito do desafeto dos pais.

    Ao mesmo tempo, o garoto segue querendo aprender mais sobre si mesmo e relacionamentos; soma-se a isso a ideia de que, em seu último ano do Ensino Médio, subentende-se que tenha chegado o momento de o garoto começar a tomar decisões para a sua vida adulta — decisões estas que sua mãe já havia feito por ele.

    Mas para além disso, a segunda temporada de Atypical entende que não deve ficar restrita a Sam, e que as histórias de Casey, Doug e Elsa são tão interessantes quanto — ou até mais. Trata-se de não usar o autismo do filho mais novo como um artifício de roteiro para gerar piadas ou desenvolver tramas paralelas (como algumas vezes acontece na temporada inicial), e sim entendê-lo como parte fixa da história e parte da personalidade de Sam.

    Justamente por isso, a segunda temporada é mais amadurecida. O drama envolvendo os pais é honesto e sentido, porque a série não assume o lado de um dos dois e mostra a dor e a superação por todos os ângulos; Casey também ganha uma história que não exige que ela gire sempre em torno de Sam, ou que tudo em sua vida se volte para ele. A mudança de escola com novos amigos, descobertas e interesses amorosos (!) explora muito bem o potencial dramático e cômico de Lundy-Paine.

    Ainda em desenvolvimento de personagens, é importante destacar que esta nova leva de episódios também é muito nobre ao explorar melhor o carismático Zahid (Nik Dodani), que assim como Casey deixa um pouco de orbitar em volta do personagem principal. O episódio em que Sam resolve ir dormir na casa dele é um dos pontos altos da temporada, pois mostra tanto um amadurecimento por parte do personagem de Gilchrist quanto equilibra o texto a fim de dedicar um tempo para falar um pouco sobre Zahid de uma maneira que não seja pejorativa ou clichê. A história da faculdade de enfermagem, por exemplo, demonstra que a série está se empenhando em ir além do microverso que sempre retorna para o espectro do autismo, além de entregar poder de decisão a um personagem que até então se restringia a uma espécie de alívio cômico com ares de deus ex machina.

    Netflix/Divulgação

    Mais do que “uma comédia sobre um garoto com autismo”, Atypical é uma série sobre uma família sobrevivendo em meio a obstáculos que poderiam desafiar qualquer um dos espectadores — e muitas vezes desafiam mesmo. Há algo nela de semelhante com Speechless, comédia da ABC protagonizada por Minnie Driver que também é surpreendentemente consciente e ativa.

    Essa facilidade de identificação conta muito a favor da série, já que a trama pé-no-chão depende muito deste diálogo direto com o público. Há um aspecto sóbrio da produção que também a torna bastante agradável de se acompanhar. As reviravoltas são orgânicas e em momento algum geral aquele constrangimento que muitas vezes é visto na primeira temporada.

    Se pensarmos em pinguins como criaturas adoráveis, inteligentes e desastradas — como provam os vários vídeos de pinguins escorregando que existem YouTube afora —, eles continuam sendo uma metáfora perfeita para o que é esta comédia aparentemente despretensiosa, mas que esconde em si um ótimo tesouro. Em tempos em que séries e filmes buscam cada vez mais o infame “choque pelo choque” — aquelas reviravoltas mirabolantes que prendem a atenção mas carecem de emoção ou aprofundamento —, Atypical nada na contracorrente. Ela segue a cartilha e faz o básico, e não há nada de errado nisso. Aliás, é exatamente o oposto. Muitas vezes, o segredo de algo simples, mas bem feito, está justamente em não tentar inventar a roda.

     

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