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    Brasileiros e Imperdíveis - Parte 1

    Seis Documentários Essenciais

    Tem gente, cinéfilos inclusos, que até hoje torce o nariz quando escuta a palavra Documentário, e não há como tirar a razão dessa gente. Durante muito tempo Documentário foi sinônimo de chatura e didatismo. Salvo algumas exceções pop - como, por exemplo, os dois Endless Summer's, onde surfistas amalucados rodam o mundo em busca das ondas perfeitas - muita pouca coisa descia redondo pela pupila do espectador. Hoje não. Graças à tecnologia e a adoção de temas e linguagens mais acessíveis e ágeis pelos diretores, os documentários vêm ganhando cada vez mais espaço nas telonas pelo mundo afora. Os documentários do cutucador-de-feridas Michael Moore (Tiros em Columbine e Fahrenheit 11 de Setembro) e o recente A Marcha dos Pinguins não me deixam mentir, foram todos musculosos sucessos de bilheteria. O Brasil também tem mostrado suas cartas no mundo dos documentários. As seis produções listadas abaixo são apenas uma pequena parcela do que o país tem feito de (muito) bom no ramo nos últimos anos. Acreditem, aprender também pode ser a maior diversão.Estamira de Marcos Prado (2006)Lá pelo meio de Estamira, o documentário, a personagem principal urra para o mundo: "Todos os homens têm que ser iguais, têm que ser comunistas!". Não há como saber se aquela mulher está tendo um acesso de loucura ou lucidez. Foi fazendo fotos artísticas no lixão de Gramacho na Baixada Fluminense que o fotógrafo Marcos Prado conheceu Estamira, misto de profeta, esquizofrênica e catadora de lixo. Mulher de classe média alta, que passou por casamentos malfadados, estupros estúpidos e que acabou tendo que sobreviver catando lixo, a vida de Estamira daria um filme. E deu, um belo documentário que até o momento já abocanhou 23 prêmios internacionais. O grande mérito de Marcos e seu filme de estréia foi enxergar o lixão como uma parábola do destino e Estamira como uma profetisa moderna, cuja própria vida martirizada é sua mensagem ao mundo dos sãos. Mas apesar do teor trágico a história de Estamira (contada em ordem cronológica, aliás, uma burocracia desnecessária) o filme é acima de tudo uma história de redenção, de como a natureza humana pode resistir às tragédias e aos mais hostis ambientes. É um documentário sobre sobrevivência. Em outra parte do filme ela, Estamira, vaticina "Eu, Estamira, sou a visão de cada um. Ninguém pode viver sem mim". E que ninguém duvide dela. Ponto Final.Rio de Jano de Anna Azevedo, Eduardo Souza e Renata Baldi (2004)Em 2000 o desenhista pop Jean Le Guay, vulgo Jano, desembarcou no Rio de Janeiro para fazer um álbum de desenhos sobre a cidade - o desenhista já havia feito álbuns temáticos sobre a França e o Egito - e três documentaristas resolveram registrar a gestação dessa obra. Tão interessante quanto acompanhar o desenhista, uma espécie de Angeli francês, representar os característicos tipos cariocas é perceber seu olhar de estrangeiro sobre o país. Um olhar que vê com interesse singularidades que nós, os nativos, muitas vezes nem percebemos. Como nossa tradição de chamar tudo no diminutivo; cafezinho, cachacinha, cervejinha. O gringo morre de rir, e nós também. As visitas do sempre bem-humorado francês ao Mercadão de Madureira (onde ele se espanta com os manequins de calças, que tem apenas com a parte de baixo do corpo) ao clima boêmio da Lapa e ao Maracanã em pleno Fla-Flu são imperdíveis. O documentário flagra os 50 dias que Jano percorreu o Rio, da Zona Sul aos subúrbios mais profundos, e depois visita sua casa na França onde Jano termina seu livro, um dos mais bacanas "cadernos de viagem" já publicados sobre a cidade maravilhosa. É difícil dizer o que é mais interessante, o livro (disponível nas melhores livrarias) ou o filme. Na dúvida fique com os dois.O Prisioneiro da Grade de Ferro (Auto - Retratos) de Paulo Sacramento (2003)Apesar do estrondoso sucesso de Carandiru em 2003, muita gente achou que faltava ao filme de Hector Babenco um ingrediente fundamental: Verdade. O diretor Paulo Sacramento foi um destes. Para chegar à "verdade" do que seria o sistema prisional brasileiro o diretor usou um recurso inusitado; ensinou os detentos a manejarem câmeras de vídeo para, eles mesmos, documentarem suas vidas por trás das grades da Casa de Detenção do Carandiru, hoje desativada. O resultado final de sete meses de filmagem são duas horas de crueza, desilusão e abandono. O olhar aí se inverte, ao invés de olharmos para o presídio é o presídio que olha para nós de dentro de suas entranhas de apocalipse. E nada foi poupado, os presos, libertos pelo olhar da câmera, desnudam seu universo sem pudores: vê-se sujeira, ratos, colagens de mulheres nuas, vê-se cachaça sendo destilada e drogas sendo consumidas. As imagens às vezes são borradas e trêmulas por que a realidade também o é. Sem finais felizes, assistir Prisioneiro da Grade de Ferro é olhar em close para uma ferida, feia, infeccionada e ainda aberta pelos presídios país afora.

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