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    Festival de Brasília 2018: Como reagir a tantos retratos da política brasileira em tempos de polarização?

    Sobre gritos, vaias e aplausos.

    O 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro está apenas no início de suas mostras competitivas e paralelas, mas tema tem sido recorrente nos filmes apresentados: a política partidária, com representantes nomeados explicitamente para o desenvolvimento de discursos favoráveis ou contrários aos governos.

    Domingo aborda explicitamente a posse de Lula, Torre das Donzelas tem Dilma Rousseff entre os entrevistados, Parque Oeste (leia a nossa crítica) denuncia o governador Marconi Perillo, e o documentário Excelentíssimos (leia a nossa crítica) propõe uma releitura do perturbado cenário político brasileiro, desde 2014 até hoje, tendo como ápice a derrubada da presidenta eleita. Entre os personagens estão Lula, Dilma, Jair Bolsonaro, Aécio Neves e Eduardo Cunha.

    Os coros políticos têm sido entoados pelos apresentadores, diretores e atores no palco, com destaque para "Lula livre", "Lula na cadeia", "Viva Dilma" e "Ele não". O mais surpreendente tem sido presenciar a reação calorosa do público local. As sessões são marcadas por gritos contra ou a favor dos políticos, mas também em defesa das mulheres, da população negra, do ensino gratuito e outras bandeiras.

    O caso de Excelentíssimos foi particular: o documentário de 2h30 relembra os momentos mais marcantes dos últimos anos, com direito a áudios vazados da presidenta, votações espetaculares na Câmara e discursos inflamados contra o PT. O público, neste caso, gritava com tanta força que, em alguns momentos, não se ouvia os personagens, nem o filme. Em alguns casos, os gritos reforçavam o mesmo bordão, em outros, buscavam se opor aos bordões alheios. Poucas exibições são tão barulhentas e conturbadas como esta: certos espectadores pareciam prontos para literalmente brigar dentro da sala.

    A reação inflamada é fruto, em primeiro lugar, da polaridade histérica em que vivemos, na qual se torna impossível escutar uma opinião diferente da nossa sem partir para o ataque. Em segundo lugar, reflete a dificuldade que temos de encontrar pontos de vista divergentes nas artes e nas salas de cinema comerciais: os discursos apresentados em Excelentíssimos ou Parque Oeste certamente diferem muito daqueles encontrados na mídia tradicional. A curadoria tem contribuído a criar uma linha coerente entre os filmes, de modo a estabelecer um diálogo entre eles. Assim, em poucos dias, o público assíduo do Cine Brasília assistiu a diversos discursos politizados e reações enérgicas.

    Talvez por isso, a exibição de New Life S.A., no segundo dia da competição oficial, tenha servido como espécie de anticlímax para acalmar os ânimos. A comédia dramática dirigida por André Carvalheira possui um fundo político evidente, criticando as relações promíscuas entre os empresários e os políticos. No entanto, segue um registro leve, paródico, apostando em caricaturas das figuras de poder. Os risos foram generosos durante a sessão, substituídos por aplausos discretos ao final. Leia a nossa crítica.

    O destaque do dia foi um curta-metragem, o belo Liberdade, de Pedro Nishi e Vinícius Silva. A crônica do bairro da Liberdade, em São Paulo, mostra como se constituiu esta região de imigrantes, com destaque a um músico da Guiné e uma mulher de origem japonesa. Os diretores transmitem seu ponto de vista de modo lúdico, com belíssimos enquadramentos e montagem impecável, além de instantes de poesia singela, a exemplo de uma canção japonesa sobreposta à imagem do personagem africano. Este foi o melhor filme apresentado em Brasília até agora, entre longas e curtas-metragens.

    Outro curta-metragem, Sempre Verei Cores no seu Cinza, acompanha a resistência de alunos e professores da UERJ contra a política de sucateamento da instituição. A diretora Anabela Roque acompanha momentos de resistência política e performances lideradas pelos alunos de artes. A iniciativa dos alunos é certamente muito forte, no entanto o filme faz pouco mais do que segui-los e registrar suas atividades, ficando refém do próprio tema através de uma câmera na mão hesitante e do registro digital de baixa qualidade. Seria importante construir uma estética política por si própria, como foi o caso de Liberdade e Boca de Loba.

    A mostra competitiva segue no dia 17 de setembro com o longa-metragem Luna, de Cris Azzi, e o curta-metragem Mesmo com Tanta Agonia, de Alice Andrade Drummond.

     

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