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    Da Bíblia à história da humanidade, descubra as alegorias de Mãe!

    Venha conhecer os símbolos do polêmico filme de Darren Aronofsky.

    A produção de Mãe! foi cercada de muitos segredos, e hoje entendemos o porquê. A grande sacada do filme são suas analogias, como tem sido o prazer de muitos decifrá-las. Se você ainda não tiver entendido as parábolas operadas por Darren Aronofsky em seu divisivo longa-metragem, chegou a hora de entender tudo — desde sua concepção, segundo o próprio autor.

    "A história surgiu de viver nesse planeta e meio que ver o que acontece à nossa volta e ser incapaz de fazer algo", disse Aronofsky em entrevista à Variety. "Eu apenas sentia muita raiva, ódio, e quis canalizar isso em uma só emoção, em um só sentimento. Em cinco dias eu escrevi a primeira versão do roteiro... Ele como que fluiu de dentro de mim", explica o cineasta sobre o fervor criativo que o acometeu ao conceber Mãe!.

    Mãe Natureza

    Assim, também, ele revela a metáfora fundamental de Mãe!: a personificação da natureza pela personagem-título, e assim retratar a relação perversa das pessoas com o universo. Para contar essa história, Aronofsky adota a típica estrutura de um filme de invasão, tendo um casal e a sua casa como protagonistas e o gênero do horror como referência. Narrativamente, ele se apropriou de histórias bíblicas para recontar a história da humanidade no planeta Terra.

    Antes de estabelecer os contos da Bíblia, porém, Aronofsky compõe a natureza de modo complexo. Além de Jennifer Lawrence, a própria casa representa o universo. Assim, a protagonista e o lar de que ela cuida de forma tão dedicada são uma só coisa. Isso explica a relação tão íntima entre elas: quando a casa é invadida, o chão e as paredes sangram, e Mãe sofre de ansiedade. Para contornar esta crise, a protagonista toma uma poção amarela, cor semelhante ao da massa que repara o lar. O tom pastel é predominante no acabamento de uma e nas vestes da outra. E essa plena simbiose resulta na incapacidade de Mãe atravessar a porta de saída da casa.

    Gênesis

    A prova definitiva dessa ligação é o fim do filme, quando a destruição da casa também significa a morte de Mãe. Nesse momento, também fica claro o papel de Javier Bardem como mais que um mero criador na arte da escrita: Ele é Deus. Tal como no livro Gênesis, um ser capaz de destruir o seu trabalho se assim julgar necessário para a criação de algo melhor — um ciclo que representa o início, o meio e o fim do filme. Aliás, vale lembrar que o nome de Mãe! durante a produção era Day Six, referência aos seis dias necessários para Deus criar a Terra segundo a Bíblia.

    Então, fica bem simples entender o papel de Ed Harris e Michelle Pfeiffer no filme. O Homem representa Adão. Na noite seguinte após vermos o personagem com uma grande cicatriz no flanco traseiro, surge a Mulher: Eva, nascida de sua costela. Ela se mostra particularmente atraída pelo cristal Dele, e eventualmente quebra o objeto. O ato em si, que irrita Ele (Deus) e agrava o tormento de Mãe (o planeta), é a metáfora de Aronofsky para o pecado original, com o cristal representando o fruto proibido e a casa servindo como o Jardim do Éden. Por fim, conhecemos seus filhos: Caim e Abel (vividos pelos irmãos na vida real Domhnall e Brian Gleeson), cuja briga termina com o famoso fratricídio bíblico.

    A Paixão de Cristo

    Nove meses se passam, Mãe dá à luz e Deus realiza sua criação — no caso, suas criações: tanto o bebê, que representa Jesus; como seu livro, divulgado por Herald (Kristen Wiig), arauto responsável pela publicação solene da obra divina. O anúncio atrai uma multidão para a casa e inicia uma espécie de devoção violenta (como tantas vezes na história de um mundo marcado por guerras santas) que dialoga com a Queda do Homem, "transição humana de um estado de inocência e obediência a Deus para um estado de culpa e desobediência". O resultado disso é o sequestro do bebê de Mãe em uma sequência que remonta à Paixão de Cristo, que na Bíbia termina com a crucificação de Jesus. Depois de morto, o recém-nascido é canibalizado pela multidão, em um paralelo (terrível) com a Comunhão da Igreja Católica.

    A consequência disso é a devastação da casa, a morte de Mãe — que serve como metáfora do dilúvio (um momento de purificação do universo que prepara o renascimento) ou do armagedom (preparação para um tempo de paz e justiça, pelo fim do mal) — e a conclusão de um ciclo que termina com um sorriso macabro do Deus de Javier Bardem. E é aqui que Darren Aronofsky imprime um tom questionador aos feitos do Criador, como já fizera (mais sutilmente) em sua abordagem do filme Noé.

    Reflexões diversas

    Além das referências bíblicas, mais intensas, Mãe! permite diversas outras interpretações, coexistentes e igualmente plausíveis. Um tema recorrente na filmografia de Darren Aronofsky é a obsessão (vide O Lutador e Cisne Negro), que aqui se manifesta tanto na devoção da protagonista ao marido e ao lar, como Dele por sua arte e em ser objeto de adoração. Reflexões modernas relativas ao meio ambiente, às relações de poder entre homem e mulher, aos perigos do fanatismo religioso, ao culto à celebridade e tantas outras também são cabíveis. E desse modo a exclamação do título ganha outra dimensão: além de se referir ao efeito chocante do longa-metragem, representa a nossa reação diante da descoberta de cada novo símbolo no intrigante Mãe!.

     

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