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    A história e a evolução da franquia Planeta dos Macacos

    A obra literária aclamada que virou um produto multimídia milionário e segue inovando 50 anos depois de fundar o cinema contemporâneo.

    O criador e a criação

    Pierre Boulle negava uma vocação de família quando, recém-formado em engenharia, largou tudo e foi ter uma vida modesta do outro lado do mundo, na Malásia. Em 1941, o estrangeiro camponês viraria agente secreto do governo britânico na Indochina, então sob ataque do Império do Japão, aliado da Alemanha Nazista. Ele foi descoberto e forçado a trabalhar em regime de escravidão, vivendo uma experiência que seria fundamental em sua carreira literária.

    A tese central de Planeta dos Macacos é de que todas as civilizações perecem. A humanidade foi dizimada e substituída por seres mais avançados, os símios, que logo começam a se subdividir e subjugar. Segundo Boulle, a hierarquização da sociedade é um processo intrínseco que resulta em violência. Uma deturpação natural responsável pela finitude das sociedades.

    Assim, Pierre Boulle articulou sua experiência de horror numa série de questões complexas — com pessimismo porém sem maniqueísmo — que versa sobre a relatividade do bem e do mal: "O bem é apenas bom sob determinado contexto. Não é necessariamente universal", diz Jean Loriot, viúvo da sobrinha de Boulle e estudioso de sua obra.

    Desse modo que "O Planeta dos Macacos" se distancia do expurgo feroz, de um tratado moralista, e funciona como uma reflexão geral sobre os conflitos em sociedade. Pierre Boulle enfatiza a falha humana justamente por tratá-la como espontânea, e condena os efeitos danosos dessa nuance instintiva com o conjunto de alegorias que compõe sua obra-prima.

    Planet of the Apes

    Pierre Boulle encarava com ceticismo uma adaptação cinematográfica de "La Planète des Singes". Porém, logo se tornou um dos grandes entusiastas do trabalho de direção de arte, figurino e, especialmente, maquiagem realizada pelo premiado John Chambers. (O que é muito curioso, haja vista o efeito da limitação tecnológica do filme hoje em dia: um esforço inequívoco para encarar com seriedade uma trama conduzida por pessoas com máscaras e fantasia rústicas, tão pouco realistas.) E, claro, pelo esforço corajoso realizado pelos roteiristas Michael Wilson e Rod Serling e pelo diretor Franklin J. Schaffner em O Planeta dos Macacos.

    A subversão inerente à obra de Pierre Boulle é seguida à risca em O Planeta dos Macacos, e percebida desde a criação de um novo protagonista: George Taylor (Charlton Heston), o desprezível comandante da expedição que contraria totalmente a lógica dos filmes comerciais hollywoodianos, conduzidos por mocinhos arquetípicos (e, consequentemente, menos dimensionais). Sua concepção cínica atende perfeitamente à visão pessimista de Boulle sobre a raça humana, e prenuncia uma tônica do filme de 1968: soluções alternativas que, em vez de comprometer, reforçam a essência do material original.

    Desse modo, O Planeta dos Macacos funciona como uma alegoria poderosa sobre conflitos e preconceitos fortes na década de 60, mas que reverberam até hoje. Em decorrência da luta pelos direitos civis, o filme de Schaffner articula a questão racial numa inversão, com o homem branco sendo escravizado e sofrendo toda sorte de discriminação que, historicamente, subjugou o negro — como o pavoroso xingamento de macaco. O conflito entre ciência e fé representa uma crítica mordaz à religião. E o êxito da missão comandada pelo comandante Taylor, um paralelo com a corrida espacial que levaria o homem à Lua no ano seguinte, abre as portas para um futuro distópico; resulta em tragédia.

    O Planeta dos Macacos possui um dos desfechos mais emblemáticos da história do cinema. Taylor, a representação do homem médio que defende que qualquer civilização será melhor no futuro (e não age em prol disso no presente), descobre que sua nave não pousou num planeta distante, mas na Terra — no futuro. A revelação acontece diante de um dos símbolos do orgulho norte-americano, a Estátua da Liberdade, em ruínas, à frente da qual o protagonista se ajoelha, desaba, em desespero. Mais simbólico (e potente), impossível.

     

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