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    Cine PE 2017: Produtor critica polarização política e prevê importância histórica de Real - O Plano Por Trás da História (Exclusivo)

    Ricardo Fadel Rihan envolve cinema e política ao discutir a recepção ao seu filme, o boicote ao festival pernambucano e ao revelar os desafios para atrair recursos e realizar uma obra de difícil adaptação.

    Real - O Plano Por Trás da História é um filme ambicioso, e merece respeito. Não por isso, claro. O cinema é plural: há espaço para filmes mais contemplativos, com uma proposta mais estética, mais artística, outros têm um objetivo meramente comercial, descompromissado, e por aí vai. O filme de Rodrigo Bittencourt tem a sua ideologia, sim, mas a sua maior pretensão é contar um momento importante da história do Brasil e gerar debate — um aspecto importantíssimo do cinema. Por isso, além de respeito, merece ser visto. E, então, criticado positiva ou negativamente.

    Produtor de Real, Ricardo Fadel Rihan defende esse mesmo pensamento. E expôs muitos outros em sua participação no Cine PE 2017. Dado o contexto, quase sempre associando cinema e política — o que pode ser bem interessante, principalmente em se tratar de alguém que apoiou o impeachment da presidente Dilma Rousseff e, ao mesmo tempo, endossa a ilegitimidade de seu sucessor, Michel Temer. O cineasta ressalta que seu filme "não foi feito pra agradar ninguém" e incomodou até o seu maior apoiador, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No caso de José Serra, ainda rendeu a pérola de achar que seu personagem se veste mal, que o seu intérprete é "muito feio". 

    Em entrevista exclusiva ao AdoroCinema, o produtor de Real fala abertamente sobre o seu posicionamento político, a ideologia do filme, comenta a polarização que acomete o país, os caminhos da cultura e do cinema no Brasil atual, opinou sobre o boicote ao seu filme por um grupo de cineastas e, aqui, revelou seus futuros projetos, incluindo um filme sobre o maior comunicador da TV brasileira e o desejo de contratar Natalie Portman para uma cinebiografia sobre Marlene Dietrich. Confira:

    Quais foram os principais desafios de Real - O Plano Por Trás da História em termos narrativos?

    O tema é árido e o objetivo era atrair jovens, que gostam mais de comédias e filmes de super-heróis. Então, o primeiro desafio foi transformar esse tema num produto audiovisual interessante para os jovens. A escolha foi fazer um thriller político com ritmo, algo incomum no cinema nacional, com bastante tensão dramática. Gênero, forma e estilo foram definidos ali.

    Outro desafio foi o corte temporal. O roteirista chegou a me propor uma trilogia, e eu falei que ele estava maluco. Fazer um filme já é dificílimo... Ele achava que tinha que ser um filme sobre a criação do Real, outro sobre a sua implementação no primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso, com Gustavo Franco, e o terceiro em seu segundo mandato do Fernando Henrique, Armínio Fraga. E eu quis um filme só, mas com as três crises econômicas, porque um filme sobre o Real que não retratasse as crises econômicas seria completamente chapa branca, e eu não aceitaria fazer isso. Então, depois de vários tratamentos de roteiro, optamos pelo corte temporal de maio de 1993, quando Fernando Henrique vira Ministro da Fazenda, até a crise de 1999.

    O outro dilema era entre fazer um filme de enredo e um filme de personagem. A gente testou os dois modelos e não funcionavam. Até que o Mikael [de Albuquerque, o roteirista] teve uma solução genial: fundir enredo com personagem, com o Real funcionando como um alterego do Gustavo. Algo talvez sofisticado demais para os nossos críticos, porque alguns não entenderam.

    Vocês também enfrentaram dificuldades para financiar o longa-metragem?

    Do ponto de vista de produção? Foram inúmeros! As empresas elogiavam a iniciativa, diziam que o filme era importante e devia ser feito, mas que não iriam patrocinar, pois não queriam contrariar os donos do poder. Hoje, com a Lava Jato, a gente entende como as coisas estavam erradas. Depois, no processo de aprovação da análise complementar na Ancine, houve um indeferimento e uma negativa. Esse processo, que demora em torno de 30 a 90 dias, levou um ano pra ser aprovado. Isso nos prejudicou, porque, se o filme tivesse sido lançado um ano antes, o momento político teria sido mais oportuno.

    Quanto ao elenco, o roteiro era tão bom, tão equilibrado, que atraiu gente de direita, de esquerda e de centro. Tem Mariana Lima e Guilherme Weber, que são claramente de esquerda. Emílio Orciollo, que não compactua com o pensamento político do Gustavo Franco. Só tivemos dificuldade em atrair um ator que fizesse o Fernando Henrique. Muitos alegaram falta de disponibilidade, o que provavelmente era verdade, mas outros claramente rejeitaram por questões ideológicas. Felizmente, o Norival Rizzo, que é um ator espetacular, aceitou, mas ele tinha problema de agenda também. O Norival chegou no projeto poucos dias antes de começarem as filmagens. Por isso eu acho que as suas primeiras cenas ficaram um pouco comprometidas, porque ele não estava completamente inserido no papel.

    Na abertura do festival, você deixou claro que o liberalismo deve ser mais debatido no Brasil. Era essa a sua proposta em Real?

    Eu nunca tive essa agenda. de defender uma linha de pensamento econômico, mas ela está ali expressa através do Gustavo Franco. Ao longo do processo de lançamento do filme, eu entrei em contato com diversas iniciativas liberais comandadas por jovens de vinte e poucos, trinta anos, isso me surpreendeu bastante, e eu me aprofundei no estudo e no entendimento do pensamento liberal. [...] O que eu acho é que precisamos estudar mais a nossa história e estar mais abertos a linhas de pensamento econômico diferentes. E que esse debate seja ampliado para que a gente faça as melhores escolhas.

    O que você achou dos protestos de cineastas sobre o suposto favorecimento de um viés ideológico no Cine PE 2017?

    Eu achei infantil e equivocado. Acho que foi um tiro no pé. Uma demonstração fascista de que "A cultura não pode ser plural", "Eu não aceito que determinados filmes existam", "Eu não aceito estar num Festival com determinados filmes"… É a primeira vez que eu vejo cineastas que participam de um Festival tentar interferir na seleção de filmes. É um contrassenso. Ou eu entro no Festival e aceito as suas regras e respeito ou eu não entro. Eu achei absolutamente infeliz.

    Olhando em retrospectiva, me parece que foi uma decisão precipitada. Eles trataram a linha ideológica do filme como uma defesa ao Governo Temer.

    Primeiro que não é, e já tem um erro grave aí, que é o de julgar antes de ver. Mas tem um outro erro grave: e se fosse um filme que defendesse essa ideia? E se fosse um filme sobre o Bolsonaro? Qual o problema? Eu nunca votaria no Bolsonaro na minha vida, mas eu teria uma curiosidade de saber melhor quem é esse maluco. Então, eu acho equivocado sob qualquer ângulo. Vai, assiste e escreve dizendo que achou o filme um absurdo por causa disso, disso e daquilo.

    Eu li, há umas semanas, a tese de um inglês de que o fascismo surgiu quando ninguém acreditava que ele poderia surgir. A democracia exige vigilância permanente. Quando você se acomoda, o fascismo surge. Pra mim, essa foi uma atitude fascista. E apoiada por críticos, o que me preocupa. Eu jamais teria uma atitude inversa caso fizessem um filme louvando Hugo Chávez. Pelo contrário, eu adoraria ser o contraponto. Eu acho que eles erraram, porque se eles não concordam com a narrativa, se retirar é a forma mais burra de combatê-la.

    Um aspecto muito questionado de Real foi citar o juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba, o que muitos julgaram como sendo deslocado do filme. Explique essa sequência.

    O livro do Guilherme Fiuza ["3000 Dias no Bunker"], que é de onde parte o projeto, retrata a CPI do Banestado. Desde o início nós queríamos retratá-la, pelo que eu disse antes: eu não queria um filme chapa branca, e a gente queria mostrar que o poder se alimenta dos seus inquilinos. E ao longo do processo a gente descobriu que o juiz federal que julgou o caso do Banestado, que era um banco do Paraná, foram o Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba. Então a gente viu que o filme, embora sendo de época, tinha algo muito atual. E o Sérgio Moro é uma figura muito importante nacionalmente, que se especializa em lavagem de dinheiro ali. Algumas pessoas podem olhar para isso como oportunismo ou algo deslocado, mas, de fato, não é.

    O que você espera do Governo Temer em termos de cinema e cultura?

    Não sei. Em primeiro lugar, eu nunca aderi ao "Fora Temer" por causa do impeachment, que foi legítimo dentro do processo democrático, foi dentro da legalidade. Então, não foi golpe. Por outro lado, eu acho que o Temer não tem a mínima condição moral de governar o país. E eu acho que o Temer tem que cair, o que o TSE fez foi uma aberração.

    Agora, eu não consigo avaliar a gestão desse governo na cultura, porque os agentes culturais não deixam o governo atuar na cultura. Eles estão agindo politicamente, partidariamente, em defesa da Dilma e não em defesa dos interesses da cultura. Em vez de negociar com o governo para preservar verbas etc, estão numa atitude partidária burra, de contraponto. Eu acho que não tem Ministro da Cultura que vá funcionar com o Temer. Eu acho que a cultura vai ficar paralisada até o Temer cair, e essa é uma escolha dos agentes culturais que eu acho equivocada.

    Algumas pessoas dizem que o Gustavo Franco é o Capitão Nascimento do Planalto. O que você acha disso?

    Eu aco isso f...! Ele é um anti-herói também. Forte, corajoso, e que resolve. Capitão Nascimento e Gustavo Franco são caras que fogem dessa discussão direita contra esquerda, nós contra eles, que é maniqueísmo puro. Como o Joaquim Barbosa ,que criou o precedente de que poderosos são punidos no Brasil, com o Mensalão, eles são caras que vão lá e resolvem, que transformam o país num lugar melhor. Por isso que eles funcionam.

    Diga qualquer coisa que você tem vontade de dizer sobre Real e ninguém perguntou.

    Exitem duas coisas que nunca me perguntaram, mas eu sempre digo. Primeiro, que o Real não é obra de um partido político, não é obra do PSDB. É obra daquela equipe econômica, liderada por dois homens que agiram como estadistas, Itamar Franco e Fernando Henrique, e foram blindados para fazer tudo, enfrentando os interesses ao redor deles. Enfim, não é obra de um partido político. A segunda coisa é que esse não é o filme oficial sobre o Real; é um filme sobre o Real contado de um ponto de vista. Que eu acho importante, que vai ser reconhecido no futuro.

    O AdoroCinema viajou a convite da organização do evento.

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