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    CineOP 2017: No Intenso Agora encerra a mostra com ensaio sobre memória, política e a potência das imagens

    Filme de João Moreira Salles usa imagens de arquivo para construir documentário sentimental e analítico que vai do macro ao micro.

    A 12ª CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto teve sua sessão final na noite de segunda-feira (26) com um filme que sintetiza um pouco da proposta do festival de pensar e debater o patrimônio cultural das imagens. No Intenso Agora, de João Moreira Salles, fechou a Mostra Contemporânea do festival, que é dedicada a "filmes que nascem do passado para existirem efetivamente no momento de hoje".

    Narrado pelo próprio Moreira Salles em seu primeiro trabalho como realizador em mais de 10 anos (desde o elogiado documentário Santiago), o filme-ensaio usa em seus primeiros minutos uma imagem amadora em preto e branco que integra algum acervo particular e foi gravada décadas atrás. O material, rodado com despretensão, compenetra-se na figura de uma criança ainda na primeira infância que caminha pela rua sob o olhar de sua família. A imagem parece banal e plana, mas quando aqueles fotogramas são exumados, o público é instruído a olhar para cada frame em sua totalidade, indagá-los, encontrar respostas e perceber que dali é possível estabelecer leituras sobre aquela realidade, aquelas pessoas, seus costumes e até extrair um comentário sobre classe no Brasil ao perceber que na extremidade daquele plano a babá da criança se retraiu para não sair na filmagem.

    Composto de imagens de arquivo, filmes amadores, trechos de outros documentários, registros de rádio, fotografias, materiais telejornalísticos, No Intenso Agora estabelece conexões entre experiências do micro (memórias afetivas, registros familiares) e macro (política, revoluções, construções de identidade nacional), histórias e a História em um filme de ambições plurais.

    Como ponto de partida, o diretor apresenta imagens amadoras gravadas por sua mãe, Elisa Moreira Salles, em 1966, quando a dama da alta burguesia brasileira viveu uma "experiência de encantamento" muito bem registrada em vídeos durante uma viagem à China de 1966, que passava pela Revolução Cultural do líder comunista Mao Tsé-Tung. Na mesma década, mais especificamente no ano de 1968, estão situados os outros três importantes eventos políticos retratados e dissecados através de seus registros imagéticos no longa-metragem. São eles a convulsão social estabelecida pelos protestos e greves estudantis e sindicais do Movimento de Maio de 68 na França; a luta por reformas da Primavera de Praga e a consequente ocupação soviética da Tchecoslováquia; e a morte do estudante Edson Luis, vítima da repressão durante a ditadura militar no Brasil, que serviu com estopim para uma série de protestos históricos.

    A emergência daqueles momentos do passado foi capturada em imagens que sobreviveram ao tempo, mas seus valores, assim com as revoluções, jamais saíram das trincheiras da disputa de sentido. O documentário se debruça sobre na dualidade de euforia e melancolia, discurso e ação, medo e coragem, frustração e êxito, que subscrevem levantes políticos históricos que até hoje são debatidos, estudados e idealizados, mas que, na realidade concreta do contexto em que estavam inseridos, não serviram como ponte imediata para os seus objetivos.

    É interessante a forma como o filme estabelece um comentário sobre a busca humana por um propósito. Toda luta contra um governo autoritário tem como fim um horizonte onde mais liberdade, e, por consequência, felicidade, possam ser experimentadas. Sendo assim, como encontrar esssa felicidade? Ela está no ato de tirar férias? Na descarga de indignação que faz alguém lançar pedras contra a polícia? No ato de atear fogo no próprio corpo e se tornar um símbolo de uma causa? Em pichar paredes com palavras? E se as palavras forem slogans pensados por publicitários ("Debaixo dos paralelepípedos estão as praias")? E se nada mudar? E se até a revolução puder ser cooptada pelo mercado? E se não houver praia alguma? Quem dita a marcha da História?

    Em determinado momento do filme é dito que "a percepção de que o tempo passa é sempre dolorosa". O evento ao qual o filme dedica maior tempo para explicar é Maio de 68, que carrega, inclusive, algumas semelhanças com o que o Brasil viveu nas jornadas de outro mês que jamais terminou, junho de 2013. Quando a chama da euforia revolucionária francesa é abafada por forças conservadoras conclamadas pelo General Charles de Gaulle, algumas contradições do movimento são expostas. Da ressaca, sobra a imagem de uma mulher operária em desalento por ter que voltar para as mesmas condições degradantes de trabalho. O tempo passou e a angústia está em perceber que nada mudou.

    No Intenso Agora é uma meditação poética que avalia o choque entre presente e passado, real e potencial e que tem como maior mérito instigar o público a olhar para cada imagem como quem está diante de uma crônica repleta de camadas, significados, perguntas e respostas.

    *O AdoroCinema viajou para Ouro Preto a convite da CineOP

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