Stephen King escreveu esta história de ficção científica há 52 anos e agora ela parece muito semelhante a 2025: "O cinema de gênero consiste em refletir a realidade em um espelho deformado"
Giovanni Rodrigues
Giovanni Rodrigues
-Redação
Já fui aspirante a x-men, caça-vampiros e paleontólogo. Contudo, me contentei em seguir como jornalista. É o misto perfeito entre saber de tudo um pouquinho e falar sobre sua obsessão por nichos que aparentemente ninguém liga (ligam sim).

Edgar Wright e Glen Powell levam para as telonas O Sobrevivente, os Estados Unidos distópicos que o rei do terror inventou há mais de cinco décadas. "O mundo que King criou foi o mundo em que vivemos agora", diz Powell.

Edgar Wright (Reino Unido, 1974) viveu um dos momentos mais estressantes de sua carreira como cineasta quando enviou o roteiro de O Sobrevivente para Stephen King. "Ele adorou", diz aliviado ao SensaCine virtualmente de Los Angeles. "Mas isso é uma maldição e uma bênção porque agora temos que fazer jus ao filme que ele tem na cabeça."

O Sobrevivente
O Sobrevivente
Data de lançamento 20 de novembro de 2025 | 2h 14min
Criador(es): Edgar Wright
Com Glen Powell, Josh Brolin, William H. Macy
Usuários
3,4
Adorocinema
3,5
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Wright, o homem por trás de títulos como Three Flavours Cornetto (2004 - 2013), Em Ritmo de Fuga (2017) e Noite Passada em Soho (2021); transportou para as telonas uma história que o marcou quando era adolescente nos anos 80 e a leu pela primeira vez. "Tivemos cerca de 25 anos de reality show. Então, foi ótimo fazer o filme com tudo o que aprendemos nas décadas anteriores. De certa forma, o filme é retrofuturista, mas algumas partes parecem mais avançadas e outras parecem ter regredido. O cinema de gênero, em muitas ocasiões, consiste em refletir a realidade em um espelho deformado".

O impacto da história de O Sobrevivente

Quando King escreveu The Running Man em 1973 - o livro só foi publicado em 1982 -, ele ambientou a ação no ano de 2025 e imaginou um Estados Unidos transformado em uma distopia totalitária onde a televisão tem um grande poder. Neste futuro de ficção científica que agora, por coincidências da vida, se parece demais com o nosso presente, Ben Richards é um homem de classe trabalhadora desempregado e incapaz de encontrar trabalho que se inscreve em um dos reality shows mais famosos e perigosos do mundo para poder comprar remédios para sua filha doente: The Running Man (O Sobrevivente). O jogo consiste em algo impossível: sobreviver 30 dias sem ser morto enquanto todo mundo o caça.

Paramount Pictures
O mundo que King criou foi o mundo em que vivemos agora

No papel de Ben Richards está Glen Powell. Para Wright, o ator era perfeito para o papel porque "parece um homem comum, no sentido de que você pode se identificar com ele". O protagonista não é um super-homem, nem um assassino treinado. É, como aponta o cineasta, "um cara normal que está desempregado". "Ele é um cara durão, mas no sentido de que trabalhou na construção civil e teve alguns empregos perigosos, mas ainda é um cara da rua", ressalta.

"O mundo que King criou foi o mundo em que vivemos agora", comenta Powell sobre como o escritor imaginou, há 52 anos, nossa época. "Pode parecer um pouco diferente, talvez a tecnologia seja ligeiramente diferente, mas na verdade fala do mesmo tipo de problemas: um sistema muito poderoso que está, de alguma forma, manipulado contra o cidadão comum, o que é uma loucura".

O ator aponta que elementos como o "deepfake", a forma como escolhemos nossos heróis e nossos vilões e a natureza do ciclo de notícias" é algo que experimentamos no nosso dia a dia. Isso também torna, no filme, a sobrevivência de seu personagem mais emocionante. "Ele não está tentando sobreviver 30 dias em um jogo impossível de ganhar em que todos já morreram antes, ele está fazendo isso em um sistema em que o mundo inteiro pode caçá-lo". E, além disso, há uma dificuldade adicional: a emissora manipula tudo. "Colocou cidadãos comuns contra este indivíduo, o que reflete como, no mundo real, costumamos emitir julgamentos rápidos", conta. "Este sistema opressor existe e é necessária uma pessoa comum que esteja disposta a se levantar e enfrentar o valentão da vez e fazer algo. É uma ideia muito humana".

As bênçãos de Stephen King e Arnold Schwarzenegger

O Sobrevivente, que chegou aos cinemas em 20 de novembro, não é o primeiro filme que transporta a história de King para o cinema, mas é o que o faz de forma fiel. Arnold Schwarzenegger deu vida a Ben Richards em O Sobrevivente (1987), um filme que se inspirou livremente no romance. "A história de Arnold tomou alguns desvios por questões práticas porque é muito difícil gravar em um mundo onde todos estão te caçando. É muito caro. É muito tedioso. Então, o isolaram em um estúdio por questões logísticas, provavelmente", explica Powell. "A adaptação anterior do livro era muito livre e não incluía grande parte da história", reforça Wright.

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Tanto Wright quanto Powell precisaram da aprovação de King para fazer O Sobrevivente. "Estive em contato com ele por e-mail durante anos porque ele sempre foi muito generoso com meus filmes", revela o diretor. "Ele viu este - e isso foi há alguns meses - e foi a primeira vez que falei com ele por telefone. Ele adorou, foi muito generoso e o elogiou." Mas Wright só se encontrou fisicamente com King muito recentemente. Durante a Comic-Con de Nova York, realizada em outubro passado, ele disse que adoraria conhecê-lo pessoalmente antes da estreia do filme. "Eu voei para Maine com minha namorada para conhecer Stephen e foi incrível, algo que nunca esquecerei".

Eu precisava da aprovação de Stephen King como seu Ben Richards, como seu herói. Em um nível mais espiritual, toda vez que você interpreta o personagem de outro ator... sempre quero ter certeza de falar com eles sobre o assunto

Powell não só precisava da bênção de King, mas também, em um sentido mais emocional, a de Schwarzenegger. "Eu precisava da aprovação de Stephen King como seu Ben Richards, como seu herói. Em um nível mais espiritual, toda vez que você interpreta o personagem de outro ator... sempre quero ter certeza de falar com eles sobre o assunto. Não quero que ele sinta que você está tentando substituí-lo", reforça. "Isso faz parte do legado de Arnold. Ele fez alguns dos meus filmes favoritos de todos os tempos. Eu não precisava, legalmente ou logisticamente, da permissão dele, mas de humano para humano, achei muito importante falar com ele. Ele foi muito gentil. Tem apoiado muito o filme e nossa jornada. Foi generoso com sua sabedoria e é um dos melhores".

Assassinos mascarados e produtores de televisão

Quando Ben Richards entra no jogo letal, o mundo se transforma em um campo de caça onde há uma alta recompensa por sua cabeça. Mas, além das pessoas comuns, também há assassinos especializados. Lee Pace dá vida a um deles, o líder, o vilão mascarado que tornará a vida do protagonista muito difícil. "É diferente. É como quando você veste uma fantasia de Halloween e sente que pode se permitir um pouco mais de liberdade. Você se sente anônimo", diz sobre atuar com o rosto coberto. "Foi assim que me senti com ela. Me levou a essa parte despreocupada do personagem. Ele é um cara muito calmo com o que faz. Eu o acho divertido. Ele é uma espécie de carrasco anônimo que persegue as pessoas e as mata de forma espetacular".

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O outro grande antagonista é Dan Killian, o produtor por trás de The Running Man. Josh Brolin, que se mete na pele do personagem, se inspirou em produtores reais e pessoas de negócios para o papel. "Estou nesta indústria há muito tempo e tive acesso a muitas pessoas", reconhece. "São personagens necessários para mostrar o contraste do ponto fraco da sociedade. Às vezes vejo personagens como este e penso: 'Ah, Deus' [faz cara de nojo]".

Brolin conheceu Wright em Cannes em 2007 quando estava apresentando Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen, no festival francês. "Tenho uma foto em que, bêbado, beijo ele na bochecha", lembra. "Eu o respeito como cineasta e adoro Em Ritmo de Fuga e Todo Mundo Quase Morto (2004). Eu amo cineastas que pensam fora do padrão".

Sempre há corrupção e eu gosto de filmes que refletem isso, mas que também são divertidos

Wright também foi fundamental para que Pace quisesse se juntar a O Sobrevivente. "Ele sabe, não só como o filme deve ser feito, mas também como você precisa que o filme faça você se sentir. Isso é o mais difícil", indica. "Eu vi este filme pela primeira vez na semana passada e eu o filmei, então eu tinha uma sensação do que seria, mas a sensação que tive ao vê-lo foi a de uma espécie de tensão crescente, emocionante, como se a história estivesse a toda velocidade. É violento. Mantém você na ponta da cadeira, dá um pouco de medo, mas também é divertido. Soa perverso dizer isso, mas há uma sensação de diversão nas mortes de O Sobrevivente. Há essa parte humorística nelas. Há uma sensação de que Ben Richards tem uma força interior que o impulsiona a se meter nessa confusão e encontrar uma maneira de sair e que, mesmo que o mundo seja hostil, desolador e traiçoeiro, ele ficará bem. É isso que faz você se sentir bem ao ver alguém com tanta força se desenrolar em um mundo assim. Esse é Edgar".

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Pace e Brolin também acham que o que King imaginou há tantos anos reflete um pouco do nosso mundo. "Quando King escreveu esta história, estava sensibilizado com a rapidez com que a tecnologia estava mudando e o quão hostil a sociedade estava se tornando. O que ele escreveu é uma sátira de um 2025 imaginado", diz Pace. "O que Stephen King fez é incrível, e há tantas semelhanças com o presente e o que está acontecendo", acrescenta Brolin. "Faz de espelho do pior de nós mesmos, que é se aproveitar desse tipo de pessoa [como Ben Richards] por ganância, para conseguir mais dinheiro. Isso experimentamos todos, no seu país e no meu país. Sempre há corrupção e eu gosto de filmes que refletem isso, mas que também são divertidos".

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