Em 2003, ano de seu lançamento, “Carandiru” foi um dos filmes nacionais mais antecipados daquele período. Baseado no best-seller “Estação Carandiru”, de autoria do médico Dráuzio Varella (que, atualmente, possui um quadro no programa “Fantástico”, da Rede Globo) e adaptado pelo diretor Hector Babenco, cineasta argentino radicado no Brasil, o filme atende às expectativas do público, que, naquela época, lotou as salas de cinema do país – sucesso que acabou gerando, posteriormente, em 2005, a série “Carandiru: Outras Histórias”.
A história por trás de “Carandiru” começa em 1989, quando Dráuzio Varella (Luiz Carlos Vasconcelos) foi ao presídio realizar um trabalho voluntário de prevenção ao vírus da AIDS – que vinha infectando muitos presos no local. O resultado de três anos de convivência entre o médico e seus pacientes foi posto justamente em “Estação Carandiru”, uma obra em que Varella analisa muito o dia a dia e a vida dos presos.
De uma certa maneira, este também é o propósito do filme dirigido por Hector Babenco, uma vez que “Carandiru” faz o relato do dia a dia dos presidiários, de acordo com o ponto de vista de Dráuzio sobre eles. Por isso mesmo, a primeira cena do longa é aquela que retrata a chegada do médico ao local – antecipada por um pequeno conflito no pavilhão –, quando ele começa a entrar em contato com as suas primeiras impressões sobre o que acabou de assistir e que acabam influenciando na sua decisão de, talvez, não retornar ao presídio.
Através do contato diário que Dráuzio possuía com os presos – quando fazia a triagem para ver quem necessitava fazer o exame de detecção do HIV – o espectador vai conhecendo, junto do médico, quem é quem no Carandiru, e quais os motivos que levaram aquelas pessoas a estarem ali. Mesmo quando a personagem principal não está em cena, a plateia continua a acompanhar a jornada diária de cada detento, numa verdadeira luta pela sobrevivência.
Hector Babenco e equipe souberam desenvolver muito bem a história de “Carandiru”, equilibrando, de maneira acertada, cada dose de emoção, revolta e alegria – com destaque para a cena que retrata o show de Rita Cadillac. O único pecado cometido por eles foi no quarto final do longa – justamente aquele que é mais importante, uma vez que mostra a rebelião que causou a morte de 111 presos, em 1992 –, pois, neste momento, a obra ganha um ar de documentário que não condiz muito com o que estávamos assistindo antes, fazendo parecer com que estejamos assistindo a uma espécie de “Globo Repórter” sobre o fato.
Entretanto, isto não prejudica “Carandiru”. O diretor Hector Babenco criou uma obra humanizada – graças, principalmente, à maneira como Dráuzio retratou a personalidade dos presos, resultando em uma mistura de tipos que se espalham em diversas realidades dentro de um mesmo espaço – e que causa uma grande empatia com a plateia. Outro acerto foi que o diretor não mostrou os presidiários como herois, e sim como pessoas que erram, que se arrependem, que se ajudam, que convivem com as suas próprias leis e que podem decidir jogar tudo para o alto. Neste sentido, também temos que reconhecer o mérito do elenco, que consegue transmitir com competência uma realidade nua e crua, que continua nas mentes daqueles que vivenciaram este período, e que teima em permanecer viva em algumas cadeias ou presídios do Brasil.